Sandro Salvador Sandroni, professor da PUC-Rio e da Coppe-UFRJ, incentivado pelo amigo Guido Guidicini, aproveitou a pandemia para reunir suas anotações de aulas ministradas ao longo de mais de 20 anos de atividade acadêmica. Dessas notas resultaram o livro Barragens de Terra e Enrocamento, lançado pela Oficina de Textos. A obra é destinada a estudantes de engenharia civil e a profissionais que atuam em projeto, construção ou manutenção de barragens deste tipo.
O livro aborda os principais conceitos geotécnicos utilizados em barragens de terra e enrocamento, ilustrados com exemplos de acidentes e obras. Para Guido Guidicini, “o livro se caracteriza por sua avaliação crítica dos princípios que norteiam os projetos de barragem de terra e enrocamento”. A obra, para ele, “não é apenas um manual de projeto de barragem”.
Os autores submetem a uma avalição crítica os critérios e princípios que devem ser levados em conta para projetar e construir esse tipo de barragem. “Fazemos com que o leitor mergulhe nesse encaminhamento e passe a desenvolver seus próprios recursos e critérios de avaliação crítica”, explica Guidicini.
Na publicação, os acidentes são utilizados para discutir os conceitos apresentados. Sandroni leva em conta que “66% dos acidentes, incidentes e desastres ocorridos em barragens foram causados por percolação da água por dentro da barragem ou pelas fundações”. Por conta disso, as percolações têm importância equivalente no livro, explica.
Barragens e riscos
Os autores lembram que nenhuma obra de engenharia é 100% segura. Uma barragem, em especial, tem um risco inerente elevado. “Após a construção do maciço da barragem, os desvios são fechados e começa a fase de enchimento do lago.
Em geral, o processo de enchimento acontece de uma só vez, diferentemente de outras obras de engenharia em que os processos são paulatinos. Por isso, as barragens têm um risco superior se comparadas a outras obras”, explica Sandroni.
Também por isso, a geotecnia se vale do método observacional. Durante a construção da barragem, é feita a instrumentação para que se possa medir os deslocamentos, a pressão de água ou qualquer outra variável importante para a obra. “Barragens de terra e enrocamento devem ser extremamente bem vigiadas, principalmente no primeiro enchimento e nos primeiros anos de uso”, ressalta Sandroni.
A engenharia de barragens brasileiras
Sandroni e Guidicini acreditam que o Brasil tem excelência em conhecimento, tecnologia e mão de obra especializada no segmento de barragens. A prova da qualidade da engenharia de barragens brasileira é o alto número de obras construídas em outros países por empresas locais. América Latina, África, Europa, Estados Unidos e China têm barragens projetadas com participação de empresas e profissionais brasileiros.
Guido Guidicini lembra que “na década de 1980 e 1990, a China pediu a colaboração da engenharia brasileira para o desenvolvimento de grandes obras nos maiores rios da rede hidrográfica chinesa”.
Técnicos brasileiros acompanharam projeto e construção dessas barragens durante pelo menos uma década. “Para mim, isso é um atestado de idoneidade para a engenharia de barragens no Brasil”, sustenta o geólogo.
Confira abaixo a entrevista com o Eng. Sandro Sandroni.
Aos jovens que estão iniciando a carreira na área de barragens, Guido Guidicini tem um recado importante:
Uma vez que se adquira as ferramentas básicas da arte de projetar barragens, o profissional deve ir a campo, passar uma semana, uma quinzena, um mês acompanhando o dia a dia dos trabalhadores, aqueles que realmente constroem as barragens. Esse aprendizado é fantástico.
Uma semana de aprendizado no campo equivale a um semestre de leitura e de estudo teórico. Não permaneça atrás de um computador. Aprenda as ferramentas e vá ao campo. Vá à obra. É lá que você vai consolidar e ganhar experiência.
Guido Guidicini
Saiba mais sobre barragens de terra e enrocamento
As barragens de terra e enrocamento (BTEs) têm sido obras de destaque desde a Antiguidade, do Império Romano aos povos pré-colombianos. Barragens de terra e enrocamento traça esse interessante histórico da Engenharia Geotécnica de barragens, pontuando sua evolução em tempos pré-Mecânica dos Solos, para em seguida aprofundar-se nos principais conceitos geotécnicos das BTEs, ilustrados com exemplos de obras e acidentes.
O livro discute a segurança de barragens, analisando os tipos de acidentes e sua incidência, que ocasionaram avanços no projeto e na construção. Aborda percolação em aterros, pelas fundações e pelas interfaces de aterros com estruturas de concreto e ombreiras, situação mais crítica.
O último capítulo trata das barragens de rejeitos de mineração, explicando os tipos de barragens e suas suscetibilidades, e apresenta um estudo sobre as barragens do Fundão e de Brumadinho, cujas rupturas ocasionaram trágicas consequências. Discute-se desde a geometria dos reservatórios até a descrição da ruptura e o monitoramento geotécnico.
Confira a degustação da obra clicando aqui.
Capa do livro “Barragens de terra e enrocamento”, publicação da Editora Oficina de Textos
Sobre os autores Guido Guidicini e Sandro Sandroni
As barragens estão no DNA do geólogo Guido Guidicini. Nascido na Itália, filho de barrageiro, Guidicini acompanhava o pai desde criança nas obras de barragens. “Está no sangue”, ele brinca. Desde que se formou, em Geologia na USP, sempre atuou em projetos e construção de barragens. Participou dos principais projetos de hidrelétricas do Brasil, como Itaipu e Belo Monte. E já acumula no currículo mais de 200 barragens.
Sandro Sandroni, por sua vez, apaixonou-se pela Geotecnia quando foi desafiado por um professor. Durante a graduação, na PUC-Rio, ele não se saiu bem na primeira prova de Mecânica dos Solos, disciplina que, a princípio, não tinha despertado seu interesse. Mas, bom aluno que era, não aceitou a brincadeira do professor que havia sugerido que ele não seria aprovado naquela cadeira.
Mergulhou nos livros e, junto com o estudo, veio o gosto pela engenharia geotécnica. Além de tirar 10 nas últimas duas provas da disciplina, Sandroni descobriu ali o caminho que queria seguir como profissão.
Ao se formar, trabalhou em algumas empresas de obras geotécnicas, fez mestrado e doutorado na Imperial College, em Londres, e, ao retornar ao Brasil, tornou-se professor da PUC-Rio e começou a prestar consultoria.
“Assim, fui ganhando espaço nesta área da qual vivo e na qual me divirto há mais de 50 anos. A engenharia geotécnica é muito desafiadora e, consequentemente, muito divertida, muito recompensadora”.