Durante a graduação em Geologia, os alunos estudam matérias relacionadas às chamadas “disciplinas de Geologia Econômica”, como estratigrafia, geologia estrutural e mineralogia. No final do curso, a disciplina de Geologia Econômica reúne todo esse conhecimento, proporcionando uma visão integrada e abrangente que permite entender a formação dos depósitos minerais. Esse processo representa um desafio para os alunos, pois é a primeira vez que precisam sintetizar e organizar todo o conhecimento adquirido nos três ou quatro anos anteriores.
Ciente das dificuldades que os graduandos enfrentam ao tentar consolidar as informações dispersas ao longo do curso, o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), João Carlos Biondi, lançou Geologia Econômica: fundamentos dos processos de formação dos depósitos minerais. Desenvolvido para atender às necessidades dos estudantes, o livro foi apresentado no 51º Congresso Brasileiro de Geologia.
O professor João Carlos Biondi compartilhou com o Comunitexto os principais destaques de seu novo livro, e também falou sobre a relevância da obra no contexto da transição energética e as perspectivas para o mercado de recursos minerais no Brasil. Leia a seguir a entrevista completa!
Capa do livro “Geologia econômica: fundamentos dos processos de formação dos depósitos minerais”, publicação da Editora Oficina de Textos
Comunitexto (CT): Qual é a motivação para a publicação desta obra?
João Carlos Biondi (JCB): A motivação principal foi escrever um livro em português no qual o assunto geologia econômica, ou geologia dos depósitos minerais, esteja direcionado ao estudante de graduação, principalmente. O vocabulário usado é o mais acessível a esse estudante, diferente daquele utilizado no livro anterior, que visou apresentar esse assunto a nível de pós-graduação.
CT: Como seu novo livro, Geologia Econômica , se diferencia de Processos Metalogenéticos e os Depósitos Minerais Brasileiros e qual é a principal contribuição dessa nova obra para os estudantes de Geologia?
JCB: Além de ser direcionado a estudantes de graduação, Geologia econômica se diferencia porque o foco de sua organização é bem diferente do livro anterior.
O livro Processos metalogenéticos e os depósitos minerais brasileiros trata dos processos de gênese dos depósitos de metais. Em Geologia econômica, os processos metalogenéticos continuam a ser considerados ─ não podiam deixar de ser ─, mas o foco principal é: entre as condições mínimas para formar qualquer depósito, qual o motivo decisivo pelo qual um metal precipita e forma um depósito em determinado local da litosfera?
Quando estudamos os vários processos metalogenéticos, é possível perceber que as condições mínimas para a formação de depósitos sempre estão presentes, em cada abordagem feita. Entre essas condições mínimas, destaca-se o que normalmente chamamos de armadilha ou filtro, o motivo decisivo, que é a condição mais importante, o real motivo de um metal, ou os metais, formar um depósito em dado local.
Neste novo livro, os capítulos foram organizados de acordo com essa condição decisiva, juntando os depósitos que se formam pelo mesmo motivo, que possuem a mesma armadilha. Essa é a nova abordagem que diferencia a obra Geologia econômica de outros livros da área.
CT: A obra destaca o uso de uma linguagem técnica acessível para o estudo da Geologia. Qual a importância dessa abordagem para o entendimento do tema e quais dificuldades ela busca resolver no aprendizado dos estudantes?
JCB: Durante a graduação em Geologia, os alunos estudam diversas disciplinas separadamente: p.ex. estratigrafia, geologia estrutural, mineralogia, entre outras. Todas essas informações são compreendidas ou memorizadas de forma isolada durante os anos de estudo, registradas nas anotações dos estudantes como assuntos distintos, de cada tópico da Geologia.
Quando o aluno chega à disciplina Geologia Econômica, é a primeira vez que precisa sintetizar e organizar toda a informação recebida nos três ou quatro anos anteriores. Um depósito mineral não se forma devido a um único motivo. Por exemplo, a formação de um depósito mineral não é consequência só da cristalização dos minerais (mineralogia), ou da geologia estrutural, ou da estratigrafia, entre outras. Na realidade, trata-se de um conjunto de processos naturais que culminarão nos processos metalogenéticos e a formação do depósito.
Assim, no momento de estudar os processos de formação dos depósitos minerais, o aluno tem que buscar os conhecimentos de cada tópico já estudado, enquanto, ao mesmo tempo, aprende os assuntos que tratam da gênese de cada tipo de depósito. A compreensão da Geologia Econômica depende da somatória de todos esses tópicos de um modo organizado e lógico.
Reunir essa coletânea de informações diferentes e igualmente importantes para o entendimento de cada processo e do motivo pelo qual os metais se concentram representa a maior dificuldade enfrentada pelos alunos na disciplina Geologia Econômica. O objetivo desse novo livro é justamente facilitar a ultrapassagem desse obstáculo.
Na obra, os tópicos estudados em cada disciplina da graduação são todos utilizados, para que os alunos percebam o exato momento em que aquele assunto (mineralogia, geologia estrutural etc.) participa da gênese de certo tipo de depósito.
CT: Houve alguma atualização no conhecimento das condições mínimas para a formação de depósitos minerais e dos processos metalogenéticos?
JCB: As condições mínimas mudaram muito pouco, se é que mudaram. O que mudou, na realidade, foi a melhor compreensão dos depósitos minerais conhecidos de longa data, e o surgimento de novos processos. Ou seja, além daqueles tratados em Processos metalogenéticos e os depósitos minerais brasileiros, há novos processos que foram percebidos e compreendidos nos últimos anos, e que ainda não tinham sido abordados.
Geologia econômica engloba tanto os processos já tratados anteriormente quanto os novos processos formadores de depósitos que não eram conhecidos ou considerados importantes quando o livro anterior foi escrito.
CT: Um dos principais destaques desta publicação são os depósitos minerais relacionados à transição energética. Qual a relevância deste tema no cenário atual, com a crescente demanda por fontes de energia mais sustentáveis, como exemplificado pela recente sanção da Lei do Combustível do Futuro?
JCB: Geologia econômica trata com maior ênfase os processos geradores de depósitos minerais que contêm elementos e/ou minerais essenciais à transição energética, como cobre, níquel, cobalto, lítio, elementos terras-raras, grafite, entre outros. O objetivo é que o estudante compreenda como esses elementos existem na natureza, onde podem ser concentrados, e quais são os processos que podem formar depósitos com minerais que contém esses elementos.
Basicamente, esta é a relevância do livro no contexto atual: a obra explica e enfatiza as causas da formação de depósitos de todos esses elementos utilizados para gerar energia e trabalho sem a emissão de gases poluentes. A ideia geral subjacente é contribuir para que os combustíveis fósseis, derivados de petróleo e carvão mineral, sejam excluídos da matriz energética do País o mais rápido possível.
É importante ter em mente que essa transição não ocorrerá em um ou dois anos, mas sim em 20, 30 anos, ou talvez demore até mais tempo. Isso porque o uso e a demanda por energia no mundo inteiro são tão grandes que não haveria como alterar toda a matriz energética do planeta, mesmo que já tivéssemos à disposição a quantidade de elementos de transição energética necessária para fazê-lo.
A transição depende da quantidade de mudanças, da criação e construção de novos equipamentos, como motores, e dos diversos tipos de processos e usinas de geração de energia. A transição necessariamente vai acontecer, mas a escala de tempo é de dezenas de anos.
O fator político também é muito importante, visto que os combustíveis fósseis, sobretudo os derivados do petróleo, geraram uma indústria que comanda a economia mundial há dezenas de anos. Quase todas as guerras dos últimos cinquenta anos, com destaque para as guerras do Oriente Médio, ocorreram em função do domínio de regiões produtoras de combustível fóssil, especialmente o petróleo e gás natural.
Além disso, os países que concentram as maiores indústrias produtoras de petróleo e derivados, como os Estados Unidos, Arábia Saudita, Catar, Rússia, Iraque e Afeganistão, não aceitarão passivamente o desaparecimento desse tipo de combustível (suas maiores fontes de renda), nem sua substituição por matrizes energéticas totalmente diferentes – são o óleo e o gás que gerem suas economias e proporcionam o bem-estar de suas populações.
CT: Para os que desejam seguir carreira na área de identificação e exploração de recursos minerais de valor econômico, como está o mercado atual, e quais são as perspectivas futuras para essa área?
JCB: Há um campo aberto enorme para geólogos que trabalham em minas e geólogos prospectores de depósitos dos elementos e minerais importantes para a transição energética.
Muito foi feito no Brasil nos últimos dez anos. A China ainda é o principal produtor desses elementos, praticamente monopolizando a produção e a industrialização desses elementos, mas em pouco tempo o Brasil se tornará o segundo maior produtor e, a longo termo, provavelmente ultrapassará a potência asiática. Então, há um grande esforço por parte da nossa Geologia para que o Brasil substitua a China, e o geólogo brasileiro vem obtendo muito sucesso nesse objetivo.
Novos depósitos de elementos terras-raras e de lítio vêm sendo encontrados no Brasil. A descoberta das minas de lítio do Vale do Araçuaí, em Minas Gerais, e sua entrada em operação renovaram nossa importância como produtor desse elemento, que é essencial para fabricar baterias de alto desempenho. Infelizmente, na política planetária, foi reservada ao Brasil a função de fornecedor de matéria-prima, já que não temos capacitação tecnológica para produzir e vender produtos acabados, como baterias, ímãs permanentes (magnetos), painéis solares, motores elétricos que não sejam de indução, entre outros.
Com o início da lavra da mina Serra Verde (Goiás) em 2023, já podemos ser considerados importantes produtores de elementos terras-raras necessários à produção de imãs permanentes. Ainda há uma enorme demanda por geólogos nessa área, além das áreas tradicionais (ouro, cobre, chumbo, zinco etc.). Com a quantidade de novos depósitos de elementos terras-raras sendo descobertos em Goiás, Minas Gerais (Poços de Caldas) e no Nordeste, aqueles que quiserem se dedicar a prospectar depósitos minerais dos elementos da transição energética com certeza terão muito trabalho a fazer.
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Sobre o autor João Carlos Biondi
Graduado em Geologia pela Universidade de Brasília em 1970, Doutor Engenheiro em Vulcanologia pela Universite de Paris XI (Paris-Sud) em 1974 e livre docente em metalogenia, pela USP, em 2005.
Trabalhou em empresas de mineração de 1975 a 1988. Ingressou na UFPR (Universidade Federal do Paraná) em 1986, como professor visitante, depois professor adjunto de Geologia de Depósitos Minerais (Geologia Econômica) e professor titular. Atualmente, é professor aposentado.