Cidades-esponja: quem criou o conceito?
O prestigiado arquiteto chinês Kongjian Yu foi o criador e entusiasta da ideia de cidades-esponja. Em 23 de setembro último, Kongjian Yu faleceu em um acidente aéreo no Pantanal mato-grossense — ironicamente, a região que mais simboliza a aplicação de seu conceito.
Cidades que sofrem com enchentes lançam mão de várias soluções para combater seus efeitos prejudiciais para os cidadãos e para a economia. Por isso, não raro, vemos imagens de áreas inundadas e até devastadas pelas águas, em episódios de chuvas mais fortes.

O que é uma cidade-esponja?
Pelo conceito de cidade-esponja, largas áreas verdes e permeáveis incorporadas à mancha urbana e adjacências permitem absorver as águas e exercer o controle de enchentes. Sendo assim, a China adotou o conceito como política nacional e defende soluções baseadas na natureza para a gestão sustentável da água. Desde então, o modelo tem despertado crescente interesse global e exige o planejamento e a implantação de uma infraestrutura BGI integrada.

Fonte: Is the Sponge City Program (SCP) transforming Chinese cities?
Aplicações práticas e infraestrutura BGI
Em inglês, a chamada de BGI (Blue-Green Infrastructure) consiste em uma rede integrada de elementos naturais e seminaturais, incluindo tanto a água (blue) como a vegetação (green), projetados para suprir de serviços ecossistêmicos e gerenciar recursos naturais.
Além disso, esta infraestrutura vai resgatar um ciclo da água mais natural de volta para as cidades mediante acumulação, filtragem, purificação, armazenamento e reuso da água de chuva, além de proporcionar benefícios para o ambiente e à sociedade.
Exemplos no Brasil
Na prática, jardins de chuva, várzeas, áreas pantanosas, lagos e pavimentos permeáveis implementam as características de uma cidade-esponja.

Os jardins de chuva, em São Paulo, com geometria adequada, recebem e absorvem a água de chuva. Na imagem acima, com dimensões muito diminutas, oferecem reduzido efeito.
Essa proposta, para calçadas, estacionamentos para cargas leves e pavimentos das ruas, além do concreto ser permeável, contêm em seu substrato uma camada granular drenante, onde há capacidade de armazenar a água da chuva para uma lenta descarga posterior.
Estudos na cidade de Kinston (EUA) mediram a redução relativa do escoamento superficial sobre o pavimento durante 40 tempestades entre 2006 e 2007, e isso ilustra a eficiência do concreto poroso (da referência anterior):
Tipo de revestimento | Mediana, % | Média, % | Mínima, % |
Concreto permeável | 99,9 | 99,9 | 99,0 |
Blocos de concreto vazados | 92,8 | 98,7 | 91,1 |
Mistura asfáltica comum | 34,6 | 29,4 | 0 |
Medidas estruturais e não estruturais para controle de enchentes
Essa questão já foi tema de um post em nosso blog há 10 anos: Controle de enchentes: medidas estruturais e não estruturais. Na época, destacava-se o foco em obras estruturais. Hoje, esse olhar se amplia para medidas não estruturais, nas quais as cidades-esponja representam o conceito mais avançado e inovador.
Historicamente, as medidas estruturais com obras de engenharia têm sido as preferidas, como exemplifica o caso do rio Tietê, no município de São Paulo.
O caso do rio Tietê em São Paulo
Na cidade de São Paulo, à medida que a cidade crescia, a bacia de contribuição de chuvas foi sendo impermeabilizada por construções e pavimentação das ruas e calçadas.
Consequentemente, reduziu-se a infiltração da água no solo e a retenção pela vegetação, o que aumentou o volume e a velocidade do escoamento em direção ao rio Tietê.
Em outras palavras, a vazão máxima que chegava ao rio Tietê durante as chuvas, foi aumentando e causando alagamento das áreas marginais.
A solução adotada várias vezes foi escavar e aprofundar o leito do rio para aumentar sua capacidade de escoamento. Em 1930, o prefeito Prestes Maia propôs um plano de avenidas para a expansão urbana de São Paulo que incluía a retificação dos rios Tietê e Pinheiros, conforme o plano abaixo, que acabou não sendo concretizado.

Projetos históricos e desafios urbanos
O engenheiro sanitarista Saturnino Brito apresentou um projeto bastante harmonioso e respeitando áreas para absorver as cheias. Seu projeto de retificação do rio Tietê incluía um parque e dois lagos de um milhão de metros quadrados de superfície cada, para controle do nível das águas, similar ao conceito da cidade-esponja. Esse projeto também não saiu do papel.
A partir de 1937, João Florence Cintra elaborou os estudos de retificação do Tietê, e o governo paulista executou o projeto nas décadas de 1950 e 1960. O projeto previa a canalização e o aprofundamento de 4 metros do leito do rio no trecho entre Guarulhos e Osasco, ou seja, no trecho do rio que está dentro do município de São Paulo.
Apesar da retificação e do aumento da calha do rio Tietê, as inundações continuaram a ocorrer, assim como a ocupação e impermeabilização da bacia com o crescimento da população. Ao final das obras, projetadas para uma vazão de 330 m³/s, registrou-se uma vazão máxima de 440 m³/s — acima da capacidade da nova calha.
Em 2002, o governo paulista iniciou as obras para ampliar a calha do rio e permitir a condução de 1.048 m³/s. A intervenção também construiu uma eclusa na barragem móvel sob o Cebolão, que integra o complexo viário na confluência dos rios Pinheiros e Tietê.
Hoje, em episódios de forte chuva, as águas do Tietê invadem certos pontos que se tornam intransitáveis. Ademais, as grandes vazões causam inundações a jusante, nas cidades do interior como Salto e Tietê, entre outras.

Piscinões: uma medida estrutural que evita a chegada rápida das águas ao rio
O conceito do piscinão se contrapõe e previne as grandes concentrações de vazão que chegam ao rio principal, visto que a solução de aumentar a calha tem limites.
Uma solução é coletar e reter as águas de chuva em reservatórios estrategicamente posicionados na bacia hidrográfica. Posteriormente, o sistema libera a água de forma controlada e a direciona ao rio principal.
Hoje há vinte e dois piscinões no município de São Paulo e outros 8 em projeto/construção.
O engenheiro Aluísio Canholi foi quem projetou e construiu o primeiro piscinão no Brasil. Para prevenir as frequentes inundações na Av. Pacaembu, construiu um piscinão sob a Praça Charles Miller, atingindo perfeitamente o controle das inundações na região.


Muitos projetos depois, Aluísio Canholi consolidou o conhecimento sobre o assunto no livro Drenagem urbana e controle de enchentes – 2ª edição.
Situação do Programa Cidades-esponja na China
Em 2015, o governo emitiu diretrizes para o Programa Cidades-Esponja, determinando que 20% das áreas urbanas nas dezesseis cidades piloto selecionadas tivessem características esponja. Em 2020, o governo ampliou essa área para 70%, e a meta é atingir 80% até 2030.
Atingida tal meta significa retrofit das áreas urbanas existentes e implementar o programa para outras cidades e novos desenvolvimentos urbanos.
Resultados e desafios do programa
Manchetes de jornal têm levantado dúvidas e discussões sobre a eficácia das cidades-esponja. Isso ocorre porque, cinco anos depois, das trinta cidades-esponja piloto, dezenove sofreram inundação. Além disso, de acordo com as diretrizes de projeto, o tempo de recorrência para a vazão de projeto é de trinta anos. Por esse motivo, eventualmente haverá inundações quando ocorrerem vazões com tempo de recorrência maior.
Ainda assim, o programa oferece muitos benefícios, mesmo sem resolver todos os problemas de enchentes urbanas e gestão da água. Isso porque o aumento de oportunidades de recreação nos parques melhora o bem-estar social (saúde e felicidade) e fortalece a consciência ambiental diante dos futuros desafios das mudanças climáticas e da transformação do uso do solo.