Avaliação pós-ocupação pressupõe a participação de especialistas e dos próprios usuários, diz Sheila Ornstein

A avaliação pós-ocupação qualifica as relações entre o ambiente construído e o comportamento humano, e pressupõe a participação de especialistas e dos próprios usuários

Acompanhar o desempenho da edificação durante seu uso é tão importante quanto as etapas de projeto, construção e de “entrega das chaves”, afirma Sheila Walbe Ornstein, professora titular no Departamento de Tecnologia da Arquitetura da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo).

Sheila foi também diretora do Museu do Ipiranga de 2012 a 2016 e participou do início dos estudos que levaram ao restauro, ampliação e modernização da infraestrutura física da edificação histórica, reinaugurada no último 7 de setembro, em São Paulo.

Foto do Museu do Ipiranga tirada da diagonal, mostrando a construção principal amarela e algumas das árvores ao redor.

Museu do Ipiranga antes da reforma, em São Paulo (SP) (Fonte: WallpaperFlare)

Para fazer a análise das edificações já em uso, existe uma abordagem estratégica chamada avaliação pós-ocupação (APO). “A APO é um conjunto de métodos e técnicas que avalia edificações ou qualquer tipo de ambiente construído no decorrer do uso – não só do ponto de vista técnico, mas também do ponto de vista dos seus usuários”, define a professora.

A APO é fundamental para realizar diagnósticos e traçar diretrizes voltadas à qualidade do projeto arquitetura, num processo realimentador. “O projeto de arquitetura precisa estar baseado em pesquisas fundamentadas em evidências para que ele seja desenvolvido com qualidade e permita a redução de atividades de manutenção corretiva”, afirma Ornstein. “E a APO é o feedback, a realimentação do processo de projeto a partir de informações técnicas e da visão dos usuários da própria edificação que vai sofrer intervenções”.

Como fazer a avaliação pós-ocupação

A APO é um conjunto de multimétodos elaborado por especialistas que conta com observações sobre fluxos, atividades e vistorias técnicas com base em checklists envolvendo vários aspectos, como acessibilidade, funcionalidade, segurança contra incêndio, estabilidade, durabilidade, entre outros. Reúne também informações sobre os usuários por meio de entrevistas, aplicação de questionários, grupos focais e outros instrumentos. 

Essa avaliação pode ser aplicada em edifícios residenciais e comerciais e até em edificações complexas, como museus, hospitais e outros ambientes na área da saúde, aeroportos, escolas, conjuntos habitacionais.

Dependendo dos objetivos da APO, do acompanhamento e da complexidade da edificação, pode também envolver o trabalho de engenheiros civis, especialistas em estatística, designers e até psicólogos.

“Quando se cruza a opinião do especialista, que é o avaliador, com a opinião dos usuários, estamos falando das relações entre ambiente construído e comportamento humano”, explica Ornstein. “A abordagem multidisciplinar é o que dá consistência e qualidade ao diagnóstico”.

O resultado final de uma avaliação pós-ocupação são planilhas com diagnósticos, que apresentam balizadores de desempenho e de qualidade, sobretudo normas técnicas, boas práticas e benchmarks, e as recomendações finais para cada ambiente em que se pretende intervir. Os diagnósticos, por sua vez, são transportados para os chamados “mapas”, ou seja, são transportados para bases gráficas como as plantas de arquitetura, em que são identificadas as recomendações para práticas de projeto (intervenções necessárias) e as normas de legislações associadas, sempre que possível.

“São dois conjuntos de resultados que serão muito utilizados pelos tomadores de decisão, ou seja, por aqueles que irão promover adequações ou melhorias na edificação, inclusive a manutenção preventiva, ou o próprio escritório de arquitetura e urbanismo ou de engenharia que quer promover melhorias nos seus próprios projetos, o feedback com vistas à qualidade do projeto”, explica Ornstein.

“O livro Avaliação pós-ocupação: da teoria à prática, que publicamos pela Oficina de Textos, detalha bem o passo a passo da elaboração de uma APO”, recomenda a professora.

Avaliação de desempenho em uso no Museu do Ipiranga

Sheila Ornstein foi diretora do Museu Paulista da USP – conhecido como Museu do Ipiranga, um dos cartões postais da cidade de São Paulo – de 2012 a 2016. Ela participou da etapa inicial das intervenções e das tomadas de decisão que resultaram na suspensão das atividades do Museu para as obras de reforma, que duraram nove anos até a sua reabertura, em 7 de setembro deste ano.

Ela conta que o Museu passou por uma APO junto com a professora Rosaria Ono, atual diretora do Museu, e alunos de pós-graduação, pouco antes de seu fechamento, em 2013. “Essa APO propiciou vários diagnósticos preliminares, de forma sistematizada, sobre as condições da edificação histórica que foram a base da primeira versão do programa de necessidades que foi revisto para cada ambiente”, junto com a equipe do próprio Museu (usuários especializados), ela declara. “Essas informações basearam em parte o edital concurso de arquitetura que escolheu o escritório de arquitetura vencedor, que desenvolveu o projeto de restauro e modernização do Museu”.

A APO precisa ser mais difundida

Apesar de sua importância e de sua inserção nas diretrizes curriculares do ME para o caso de cursos de arquitetura e urbanismo, a APO não é um estudo obrigatório nas práticas profissionais no País.

Ornstein esclarece que a APO busca conhecer a edificação no decorrer do uso e é uma abordagem estratégica para alimentar o processo de projeto e trazer mais informações substantivas às etapas de planejamento e de projeto, de menor custo na produção dos ambientes construídos e, assim, para antecipar problemas no decorrer do uso da edificação que impliquem futuras manutenções corretivas e extremamente onerosas aos seus proprietários e usuários finais.

“Infelizmente, também não é uma prática corriqueira nos escritórios de arquitetura e de urbanismo”, diz. “Entendo que, do ponto de vista comercial, os clientes dos escritórios enxerguem a APO como mais uma atividade a ser contratada dentro de um processo de projeto. E o cliente não quer pagar por mais um item”.

Em contrapartida, empresas do ramo da construção civil comumente utilizam conceitos da APO para fazer estudos semelhantes. Segundo a especialista, construtoras e empresas muito ligadas ao campo da engenharia se apropriam de instrumentos da avaliação pós-ocupação e do processo de buscar informações no decorrer do uso das edificações para manter o seu conjunto de edificações com desempenho pleno e aperfeiçoar os processos de projeto tendo em vista, inclusive, as expectativas dos futuros usuários.

“É preciso intensificar a comunicação entre a academia e os escritórios de arquitetura e conselhos, entidades de classe, para que a APO seja mais incorporada no cotidiano dos profissionais de arquitetura e urbanismo”, tanto no setor público (aperfeiçoando procedimentos de verificação de políticas públicas, por exemplo) como no setor privado, acredita Ornstein.

Para conferir a fala da professora na íntegra, veja o vídeo abaixo:


Doutora em arquitetura e especialista em atividades de ensino e pesquisa sobre o desempenho de ambientes construídos e em uso, Sheila Ornstein é uma das organizadoras do livro Avaliação pós-ocupação: da teoria à prática, disponível na livraria Ofitexto. Confira!

Capa de Avaliação pós-ocupação: da teoria à prática.