Aluísio Canholi comenta as enchentes no Rio de Janeiro

Várias cidades do Rio de Janeiro estão sendo assoladas por enchentes

Os municípios Angra dos Reis, Mangaratiba, Duque de Caxias, Petrópolis e Teresópolis, todos no Rio de Janeiro, enfrentam uma situação crítica por causa de enchentes, que deixaram patrimônios destruídos e muitos desabrigados.

Segundo os dados da Defesa Civil, somente em Xerém já são 200 desabrigados, em Teresópolis outras 50 pessoas foram encaminhadas para pontos de apoio após perderem suas casas, e em Mangaratiba há pessoas saindo de suas casas por causa do risco que grandes quantidades de chuva trazem à região da Costa Verde.

Para compreender o que causou todos esses problemas, é necessário avaliar a infraestrutura dos locais considerados como áreas de risco e daqueles onde ocorreram as enchentes. De acordo com Aluísio Canholi, engenheiro civil, diretor da Hidrostudio Engenharia e autor do livro Drenagem urbana e controle de enchentes, o maior agravante das inundações é a dificuldade de desenvolver sistemas de drenagem apropriados para a pluviosidade do local, além de estruturas para escoamento das águas e contenção das encostas.

Em sua obra, Canholi propõe duas alternativas diferentes para amenizar a ação das águas em ambientes urbanos: estruturais e não estruturais. As medidas estruturais correspondem às obras que podem ser implementadas para prevenir esses problemas, e as não estruturais são aquelas em que se introduzem normas, regulamentos e programas que visem a conscientização da população para a manutenção dos dispositivos de drenagem e que evitem ocupações irregulares. Além dessas, existem outras medidas menos convencionais que podem auxiliar o controle de enchentes, como a ampliação do processo de infiltração da água, a retenção de escoamentos em reservatórios e a retardação do fluxo nas calhas dos córregos e rios.

Enchente em uma rua em Nova Friburgo, com água e lama nas rua.

Rua após chuvas em Nova Friburgo

O autor também destaca a necessidade de maiores investimentos no conhecimento de áreas como fenomenologia climatológica, ambiental, hidrológica e hidráulica dos estados. Com ações voltadas para melhorias dos espaços urbanos e educação de cidadãos e autoridades, torna-se possível a redução dos riscos de desastres.

Para explicar melhor, falamos com Aluísio sobre as típicas enchentes que acontecem no mês de janeiro, como evitá-las e os exemplos de medidas bem sucedidas. Confira:

Comunitexto (CT): No início do ano é comum ouvir notícias sobre os problemas causados por enchentes. O que leva a este ponto?

Aluísio Canholi (AC): O período crítico de enchentes nas bacias hidrográficas de São Paulo relaciona-se  principalmente com as chuvas de verão, caracterizadas por precipitações intensas em curto espaço de tempo (chuvas convectivas), os temporais comuns nos finais de tarde. Nas bacias maiores dos grandes rios, no Tietê, por exemplo, as precipitações mais prolongadas e mais extensas, como as chuvas frontais, causam as maiores enchentes.

Outra característica que concorre para a maior criticidade dessa estação é a ocorrência de chuvas em dias seguidos, o que promove a saturação dos solos ainda permeáveis.

Os sistemas de macrodrenagem da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), via de regra, foram se tornando insuficientes em face do rápido crescimento das áreas impermeáveis sem a sua devida readequação. Em alguns casos, essa readequação através do simples aumento das canalizações colaborou para o agravamento das inundações nos corpos receptores, ou seja, nos rios e córregos maiores, como o Aricanduva e o Pirajussara.

Outro ponto a destacar foi a implantação exagerada das vias de fundo de vale (marginais). Além de obrigar a retificação dos rios, que impõe canalizações com alta velocidade, promoveu o aterramento das várzeas para a implantação das pistas.

CT: Quais são as medidas mais indicadas para evitar que isso aconteça no futuro?

AC: Primeiramente, a elaboração de planos diretores de drenagem que possam gerar soluções integradas para a região de estudo, no caso, as bacias hidrográficas. O planejamento das ações já vem sendo realizado na RMSP desde 1998. As medidas atualmente mais adotadas nos projetos preventivos e corretivos de drenagem urbana buscam o controle nas sub-bacias (próximo à geração do escoamento), visando a solução das enchentes sem transferência dos problemas para jusante (rio abaixo). Essas medidas envolvem principalmente a preservação dos volumes drenados em reservatórios, calhas, parques lineares, e ações voltadas para o aumento da infiltração.

CT: De imediato, como amenizar os impactos das chuvas?

AC: Inicialmente, destaca-se a necessidade de uma correta manutenção do sistema de drenagem em escalas micro (boca-de-lobo, grelhas, pequenas tubulações) e macro (desassoreamento de canais, galerias e piscinões etc.), obtendo-se a maior eficiência possível das obras e equipamentos existentes. A educação ambiental é um componente importante na sustentabilidade dessas ações, procurando reduzir o aporte de detritos, lixo e sedimentos ao sistema público de drenagem. Outra ação importante são os sistemas de alerta a inundação, em São Paulo representados pela CGE e SAISP (município e Estado, respectivamente), que avançaram muito nos últimos anos, mas poderiam ser ainda mais atuantes, dotando-os de mais recursos.

CT: Dê um exemplo de uma medida em longo prazo tomada no Brasil que funcionou para evitar as inundações.

AC: Em São Paulo, as recorrentes enchentes no Vale do Pacaembú há vinte anos não se repetiram após a implantação do reservatório de controle de enchentes da Praça Charles Miler. Idêntica situação repetiu-se na bacia do Cabuçu de Baixo-Avenida Inajar de Souza, Freguesia do Ó; após a construção dos piscinões do Guaraú e Bananal e do reforço de capacidade da galeria. Atualmente a bacia do Pirajussara, objeto de obras previstas no Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê, contando com diversos reservatórios operando em conjunto, também tem mostrado grande melhoria em seu desempenho.

E você, sabe como fazer a sua parte?

Confira as medidas de precaução que devem ser tomadas pela prefeitura e pelos cidadãos, divulgadas pelo portal do Senado Federal do Brasil:


Para saber mais

A obra Drenagem urbana e controle de enchentes foi desenvolvida por Aluísio Canholi, com base na experiência do autor com a introdução dos reservatórios de detenção urbanos no Brasil, popularmente conhecidos como piscinões. Canholi também participou do Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê, uma das regiões mais problemáticas do mundo em termos de recursos hídricos e, com tudo isso, apontou no livro diversos conceitos de projetos de obras hidráulicas, além de rever o conceito clássico da Engenharia Sanitária e propor novas medidas estruturais não convencionais para a drenagem das grandes cidades.

Capa de Drenagem urbana e controle de enchentes

O livro traz exemplos de projetos bem-sucedidos na prevenção de enchentes e visa preencher lacunas técnicas importantes para profissionais e estudantes de engenharia.