Livro de Faiçal Massad aborda os solos marinhos da Baixada Santista

A Baixada Santista sempre ofereceu desafios para a engenharia nacional, seja na construção de estradas, ferrovias e outros que permitissem a travessia ou nas edificações civis e industriais, e os seus solos são só mais um deles.

A principal preocupação dos engenheiros brasileiros está no entendimento das argilas marinhas, que estão presentes em toda a planície costeira santista e geram alguns problemas, como aumento nos custos dos materiais de construção, a necessidade de executar fundações profundas e outros tantos.

Nesta entrevista, convidamos Faiçal Massad, professor titular em Mecânica dos Solos, Obras de Terra e Fundações na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Solos marinhos da Baixada Santista, para contar mais sobre os aspectos que definem os solos desse local, os estudos na área e como novos métodos usados na Geologia e Engenharia impactaram as construções. Confira!

Comunitexto (CT): Quais são as principais características dos solos de Santos?

Faiçal Massad (FM): Os solos da Baixada Santista e, em particular, da cidade de Santos, caracterizam-se por serem compressíveis e de baixa resistência, o que implica dificuldades na implantação de obras de engenharia. Problemas comuns nessa região são os recalques, por exemplo, dos edifícios de Santos, e a ruptura de aterros, por exemplo, nas áreas de antigos manguezais em Cubatão.

CT: No livro Solos marinhos da Baixada Santista, os sambaquis tiveram uma importância nos estudos do litoral. O senhor pode falar um pouco mais sobre isso?

FM: De fato, isso ocorreu mais do ponto de vista geológico, pois serviu para confirmar variações do nível do mar nos últimos cinco milênios, variações essas que estão na raiz da formação dos solos do litoral santista. O curioso é que Benedito Calixto, nascido em Itanhaém (14/11/1853), que foi pintor, professor, historiador e astrônomo, mas não era geólogo, fez algumas descobertas geológicas ao estudar os sambaquis da Baixada Santista e Itanhaém (Calixto, 1904). No meu livro transcrevo essa frase de Calixto:

“[…] no tempo de Martin Afonso, 1532, o mar invadia toda essa zona de mangues, formando verdadeira bahia […] Toda essa região de mangues, ao redor de Santos, São Vicente e Bertioga, esteve coberta de água, há 300 ou 400 anos, e que o recuo do mar, embora lento, tem sido aí bastante apreciável […]”. E, mais adiante: “Antes de formar um juízo definitivo sobre os sambaquis, tem ainda a ciência de estudar a sua biologia e as condições geológicas da costa […} Mas como isto tudo está por ser feito […]”.

E isso foi feito na década de 1970, com os trabalhos liderados pelos geólogos Kenitiro Suguio e Louis Martin.

CT: Outro ponto interessante abordado na obra é o “bolsão” de argila altamente sobreadensada encontrado em São Vicente. O que a descoberta desse fenômeno incomum revelou sobre a região?

FM: Para entender a importância desse “bolsão”, é preciso lembrar que, até a década de 1970, acreditava-se que as argilas marinhas da Baixada Santista tinham se formado num único ciclo de sedimentação e se caracterizavam por serem moles, isto é, compressíveis e de baixa resistência. A descoberta do referido bolsão pelo professor e engenheiro Alberto H. Teixeira, no final da década de 1950, foi um surpreendente achado na época que só encontrou sua explicação científica com os trabalhos de Suguio e Martin e o seu modelo dos possíveis mecanismos que controlaram a sedimentação nas planícies quaternárias do litoral do Estado de São Paulo. O referido “bolsão” é resquício das Argilas Transicionais, depositadas há mais de 100 mil anos, e que resistiram a processos erosivos.

Outros casos inusitados como esse foram observados na região, inclusive durante a construção da Rodovia dos Imigrantes na década de 1970, mas o impacto do “bolsão de São Vicente” foi maior, pela elevada resistência do solo e por envolver a construção de um edifício em São Vicente, num momento do grande boom imobiliário em toda a orla santista.

CT: Ainda segundo sua obra Solos marinhos da Baixada Santista, as construções nesses espaços sempre foram difíceis por causa das características do local, especialmente as relacionadas aos solos. Antes de se utilizarem técnicas modernas de Engenharia e Geologia, como eram feitas as construções na Baixada?

FM: As técnicas de prospecção e construção de obras evoluíram acentuadamente na região.

Em termos de prospecção do subsolo e definição de perfis geológicos, além da tradicional e insubstituível sondagem a percussão e da extração de amostras de solo, hoje em dia são realizados rotineiramente os modernos ensaios in situ, como o DMT e o CPTU. A instrumentação de obras continua sendo feita como no passado, mas com recurso instrumental moderno, frequentemente via aquisição automática de dados.

Em termos de obras, vale destacar, entre outras inovações: (a) a introdução de estacas longas para a fundação de edifícios em Santos e São Vicente, que em geral já não mais comportam fundações diretas como usadas no passado, com todas as consequências de recalques acentuados e desaprumos; e (b) o uso de materiais sintéticos, por exemplo, as geogrelhas de reforço de aterros, para garantir a sua estabilidade, e os geodrenos, para acelerar os recalques, em substituição aos drenos verticais de areia, muito utilizados no passado.

CT: Como os avanços geológicos impactaram a Baixada Santista? Eles propiciaram maior urbanização do local?

FM: A urbanização da região e a ampliação das obras portuárias de Santos vêm ocorrendo há décadas e continuarão ocorrendo, de certa forma ao largo dos avanços geológicos e geotécnicos. No entanto, pode-se afirmar que o mapa geológico de Suguio e Martin (1978), com a distribuição dos solos em superfície, e os conhecimentos da sua distribuição em subsuperfície, apresentados no meu livro, têm servido de apoio a projetos de obras civis.

Eu diria que o impacto maior foi em propiciar um ”outro olhar” aos solos da Baixada Santista, que não são tão ruins como se imaginava nas décadas de 1940 a 1970: ocorrem na região desde argilas muito moles, nas camadas mais superficiais, até argilas rijas, a maiores profundidades. Esse “novo olhar” permite o projeto de obras mais seguras e econômicas.

Ainda nesse contexto, acrescentaria que em certas áreas da Baixada Santista, como na Ilha de Santo Amaro e na foz dos Rios Sandi e Diana, junto ao canal do Porto de Santos, existem superficialmente argilas mais resistentes em face da ação de dunas em tempos pretéritos, fato esse que passou insuspeito durante o século passado. O peso das dunas pré-adensou o solo, imprimindo-lhe melhores características e possibilitando a execução de obras de mais baixo custo.


Tudo a ver

O livro Solos marinhos da Baixada Santista, de Faiçal Massad, tem inestimável valor para profissionais que atuam com a geotecnia de argilas marinhas, sendo especialmente útil e esclarecedor à comunidade técnica que lida com obras ao longo dos mais de 7 mil km da costa brasileira.

Entre os estudos abordados no livro, estão discussões sobre as argilas sobreadensadas da Baixada Santista e a interpretação do seu comportamento com base na imensa massa de dados acumulados pelos inúmeros projetos e investigações na Baixada Santista, além de uma minuciosa análise que visa resgatar a história das obras executadas no local, seu desempenho, as rupturas e os sucessos que conduzem à construção do conhecimento sobre argilas marinhas e à formulação dos processos que determinaram a distribuição e as propriedades dos sedimentos.

Capa de Solos marinhos da Baixada Santista.

Disponível na livraria Ofitexto!