A grande maioria dos acidentes em túneis hidráulicos acontece quando a estrutura recebe a água ou nas fases iniciais de operação. Essa foi a constatação dos engenheiros Guido Guidicini e Flavio Miguez de Mello e do geólogo Newton dos Santos Carvalho, autores do livro Patologias de túneis hidráulicos, lançado em 2022 pela editora Oficina de Textos.
A interação da água com o meio em que o túnel está inserido é o momento crítico desse tipo de construção. Ao encher a estrutura de água, ela passa a exercer pressão nas paredes do túnel, conforme explica Guidicini.
“Neste momento, existe uma disputa de braço de ferro entre a resistência que o maciço em volta do túnel oferece e os esforços com que a água atua dentro do túnel. A água no túnel se assemelha à ação de um macaco hidráulico; é um efeito de macaqueamento. Ela tende a aumentar a sessão do túnel. Então o meio externo, isto é, a rocha em volta do túnel tem de resistir a esses esforços”.
Muitos dos relatos presentes no livro mostram que os acidentes ocorreram justamente neste momento. “O que se pretende é fazer um alerta para que acidentes similares não voltem a ocorrer. Já temos condições de identificar as causas dos acidentes e vamos tentar evitar problemas similares”, afirma o autor.
Além da parte inicial, que analisa e destaca as causas que conduzem ao mau desempenho do túnel hidráulico, o livro apresenta onze casos de acidentes descritos em detalhes. Um deles é o caso da usina hidrelétrica de Macabu, no Rio de Janeiro.
O acidente aconteceu no início da década de 1960. Um túnel rompeu no final do enchimento e causou uma avalanche de detritos, o chamado debris flow, que desceu a encosta num desnível de 300 metros e atingiu a casa de força, danificando-a.
“Este é um caso interessantíssimo que foi descrito em detalhes, à época, pelos engenheiros da Companhia Estadual Fluminense. Mas o caso não chegou às páginas de nenhum livro ou de artigos publicados em congressos. Tivemos acesso a esse registro e, decorridos 60 anos, julgamos em condições de divulgar esse evento”, destaca Guidicini.
A importância da divulgação dos acidentes
“Para escrever o livro, conseguimos reunir onze casos de acidentes em túneis hidráulicos no Brasil”, lembra Guido. “Esse número, no entanto, certamente não é a totalidade dos casos ocorridos. O que acontece, no Brasil e no exterior, é que os casos normalmente não são divulgados”.
Quando ocorre um acidente, em geral se estabelece uma situação de conflito entre proprietário, projetista e construtor. Assim, o conhecimento desses casos permanece restrito aos envolvidos até que se consiga atribuir as responsabilidades. E, mesmo depois disso, apenas uma pequena parcela dos acidentes chega ao conhecimento do meio técnico e da sociedade de forma geral.
“Faço um apelo ao meio técnico e empresarial, em particular aos responsáveis por casos de acidentes e incidentes: uma vez que tenha sido resolvida a disputa, que esses casos sejam divulgados. Só através do conhecimento desses casos é que a engenharia pode evoluir. Outros acidentes podem ocorrer, mas que pelo menos aqueles que já foram investigados, interpretados e analisados não voltem a acontecer”, diz Guido Guidicini.
“Se eu conseguir convencer alguém a publicar algum caso que tenha ocorrido no Brasil e que não tenha sido divulgado, já vou me dar por muito, muito satisfeito! A engenharia brasileira precisa disso”.
Como evitar acidentes em túneis hidráulicos
Para evitar acidentes em túneis hidráulicos, primeiro é preciso dispor de investigações geológico-geotécnicas adequadas antes da abertura do túnel. É necessário que essas investigações informem as características geológico-estruturais, geomecânicas e hidrogeológicas do maciço rochoso.
Em seguida, as informações devem ser apresentadas ao projetista de maneira adequada, fornecendo o quadro geológico-estrutural. É necessário caracterizar a compartimentação do maciço rochoso.
O projeto deve, então, ser desenvolvido dentro de critérios já estabelecidos e buscar uma condição de segurança com relação ao efeito de macaqueamento que a água tende a exercer no interior do túnel.
O próximo passo é o construtor executar a obra dentro dos requisitos de projeto. Implementar exatamente o tipo de revestimento, o tipo de chumbadores, a espessura do concreto projetado, a espessura do concreto estrutural, o sistema de drenagem e todos os outros itens conforme determina o projeto.
E, finalmente, o enchimento do túnel, uma fase muito delicada da obra.
“Este momento terá de ser feito com o procedimento adequado. O processo de enchimento deve ser acompanhado cuidadosamente, além de observações muito rigorosas de eventuais pontos de surgência de água que possam acontecer. Isso é fundamental para o sucesso da obra”.
Saiba mais sobre túneis hidráulicos
Do conhecimento insuficiente do quadro geológico-estrutural a falhas na elaboração do projeto, na construção ou nas etapas de enchimento, operação e esvaziamento, Patologia de túneis hidráulicos destaca as principais causas de acidentes e incidentes de forma clara e precisa, amplamente ilustrada.
É uma obra indispensável aos profissionais envolvidos com projeto e construção de túneis.
Confira a degustação aqui.
Capa do livro “Patologia de túneis hidráulicos”, publicado em 2022 pela Editora Oficina de Textos
Sobre o autor
Graduado em geologia pela USP, em 1963, Guido Guidicini dedicou sua carreira às barragens. Os túneis fazem parte deste universo. A construção de uma barragem implica obras anexas, como diversos tipos de túneis: de adução, de desvio de rio, de acesso, de descarga, de ventilação, de cabo e tantos outros.
Nesses 59 anos de caminhada, Guidicini acumula a construção de cerca de duas dúzias de túneis. “Isso inclui casos em que fui convidado a opinar, a emitir um parecer em algumas situações críticas, outros de que participei apenas da investigação, e outros ainda de que participei do projeto. E a cada obra vamos evoluindo e adquirindo prática. De preferência com os sucessos, embora a gente saiba que o maior aprendizado resulta dos insucessos. É através deles que se consegue adquirir melhor conhecimento dos limites de segurança”.