“Morar, hoje, significa realizar suas ações cotidianas com qualidade e conforto”, diz Simone Villa

São diversas as razões pelas quais as pessoas escolhem morar em apartamento, sobretudo nas grandes metrópoles hoje em dia. Os motivos geralmente são a busca por segurança, os custos, a localização e a praticidade. Ao longo dos anos, a forma de morar evoluiu, e as estruturas familiares mudaram, bem como as necessidades da população. É isso que Simone Villa aborda em Morar em apartamento, livro publicado em 2020 pela Oficina de Textos.

O objetivo de Villa com a obra é apresentar dados inéditos sobre o apartamento enquanto modalidade de moradia, uma vez que são escassos os estudos relacionados ao assunto. Neste livro, o qual chama atenção pelo projeto gráfico excepcional que conta com imagens impressas em excelente qualidade, a autora busca traçar uma linha do tempo que demonstra a evolução desse tipo de residência a partir das transformações vividas pela sociedade como um todo ao longo de todo o século XX.

O Comunitexto conversou com a autora, que apresentou suas principais motivações ao escrever a obra e falou sobre a evolução do apartamento como modalidade de moradia ao longo dos anos.

Entrevista com Simone Villa, autora de Morar em apartamento

Comunitexto (CT): Quais são os principais destaques da obra?

Simone Villa (SV): O livro Morar em apartamento pretende fornecer dados inéditos, oferecendo novos elementos ao discurso arquitetônico e relacionando esses espaços de habitação à evolução dos modos de vida da sociedade. Procuramos estabelecer, na análise do livro, informações sobre o desenvolvimento da arquitetura e do urbanismo nas diferentes épocas. Paralelo a isso, apresentamos dados censitários, dados sobre os modos de vida das famílias brasileiras, principalmente residentes no recorte específico da cidade de São Paulo para, então, entender essa relação entre arquitetura e modos de vida.

Questionamos de que forma a organização espacial dos apartamentos ou a produção desses espaços respondem à evolução e às demandas de seus usuários, portanto das famílias que habitam em apartamentos. Essa obra pretende ser retrospectiva e de certa forma histórica. Ela se inicia com a produção dos primeiros apartamentos produzidos na cidade de São Paulo em um recorte temporal de 1910 até 2010. No livro são apresentados os princípios de organização do espaço doméstico dos apartamentos, principalmente na cidade de São Paulo. O trabalho versa sobre a questão das características tipológicas dos apartamentos, entendidas como as respostas que ocorrem com uma frequência elevada num determinado universo, para isso foram elencados exemplos emblemáticos para as análises. A análise é focada nas unidades dos edifícios e nas suas tipologias, avaliando, principalmente, os agenciamentos espaciais em função dessas demandas dos seus usuários e a sua contextualização. 

CT: Qual foi a principal mudança que o conceito e configuração de moradia sofreram ao longo do período de cem anos que o livro analisa?

SV: Eu acredito que as mudanças foram mais significativas em relação à reconfiguração de alguns cômodos, sobretudo em relação à quantidade de cômodos, que diminuiu consideravelmente, do que essencialmente em mudanças estruturais e conceituais na forma de organizar os espaços de morar. Se compararmos a planta de um apartamento da década de 1910 com as plantas de outras épocas à frente, que analisamos no livro, perceberemos que a organização espacial e o conceito são basicamente os mesmos. É o que chamamos de conceito tripartido de moradia, o qual consiste na organização da planta em três áreas principais: a área social, de serviços e a área íntima. Essas três áreas são compartimentadas com definição de cômodos estanques e monofuncionais. 

Assim, o que mudou de lá para cá são alguns aspectos relacionados à quantidade de cômodos – temos uma redução da quantidade de cômodos; uma redução de área bastante expressiva, mas a essência desses espaços mudou muito pouco. Percebemos, sim, algumas mudanças que o mercado chama de tendência: essa questão, por exemplo, de ter as áreas coletivas dos edifícios como campanhas de publicidade. Mas até que ponto essas tendências são realmente demandas da sociedade? Então há um discurso importante no livro, que procura discutir essa questão do que realmente é necessário, o que é realmente mudança conceitual em termos de configuração da moradia, e até que ponto as estratégias são mercadológicas ou são apenas cosméticas, mais no sentido da venda, focados na venda dos empreendimentos.

CT: O que significa morar hoje?

SV: Essa pergunta é bem complexa, mas eu acredito que morar, hoje, significa, principalmente, conseguir realizar de forma plena as suas ações cotidianas com qualidade e conforto, mantendo noções de privacidade necessárias, ou demandas, por exemplo por trabalho e lazer em casa, além das demandas por espaços coletivos de convívio. Percebemos que o significado de morar e a qualidade do morar estão totalmente ligados à evolução do modo de vida da nossa sociedade. 

Hoje, temos demandas e necessidades distintas do que há trinta anos, principalmente em função do desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação. Fatalmente demandaríamos diferentes espaços de morar e uma arquitetura que pudesse considerar tais mudanças. E o que percebemos ao analisar a produção de apartamentos atuais, principalmente na sua organização espacial, é a repetição de modelos muito similares há décadas sem que aja uma reflexão mais profunda sobre a produção de desenhos e soluções alinhadas a atuais demandas. Demandas essas que extrapolam as necessidades dos usuários, mas que também incluem a mitigação de impactos no meio em que vivemos.

CT: Como você percebe que a pandemia da Covid-19 afeta a forma de residir das famílias brasileiras?

SV: A pandemia afeta profundamente o morar pois caracteriza um impacto externo muito grande e não previsível. A pandemia revela fragilidades espaciais das habitações já conhecidas: a incompatibilidade entre o modelo tripartido reduzido com os novos modos de vida da sociedade. Além disso, novas demandas espaciais e funcionais serão observadas na pandemia, visando a permanência em casa e a realização de atividades anteriormente externas à moradia. Também vai reforçar as vulnerabilidades sociais em contextos urbanos distintos. Nesse cenário de novas demandas e impactos, qualidades como a flexibilidade espacial e a privacidade se tornam extremamente válidas e adequadas. A situação será mais grave obviamente em habitações caracterizadas pela manutenção de modelos tripartidos em áreas bastante reduzidas com pouca ou nenhuma infraestrutura. Nesse sentido, se observarmos como exemplo as pessoas com renda alta que vivem em apartamentos com áreas úteis maiores, obviamente irão sentir menos o impacto da pandemia, conseguindo se adequar de forma mais plena às novas demandas. Já as famílias de baixa renda que vivem em apartamentos menores, irão sentir de forma muito mais direta a inadequação. É exatamente nesses espaços onde se observam a associação de modelos tripartidos – compartimentados e estanques – em áreas muito diminutas. A pandemia vai reforçar a necessidade de se pensar em novos modelos de habitação

CT: A que tipo de público se destina o livro?

SV: Morar em apartamento é destinado a qualquer público que tenha interesse em conhecer um pouco da história dos apartamentos, do que é morar em apartamentos, principalmente essa relação da organização espacial em atendimento às necessidades dos modos de vida da sociedade. E também a públicos da área, de arquitetura, urbanismo, design, engenharias que, de alguma forma, lidam com o estudo da arquitetura.

Obra de Simone Villa está disponível na livraria técnica Ofitexto

A autora afirma que o objetivo do extenso trabalho de busca, organização e sistematização de plantas de apartamentos foi apresentar um material inédito que, muitas vezes, por diversas razões, se encontrava disperso em diversas fontes de difícil acesso.

O livro, portanto, permite que estudantes de Arquitetura e demais interessados por conhecer a história da cidade de São Paulo por outro ângulo tenham acesso a documentos únicos, resgatados a partir do primoroso trabalho de pesquisa da autora ao longo de sua formação acadêmica.

Morar em apartamento, de Simone Villa, está disponível na livraria técnica da Ofitexto nas versões física e digital. Também é possível adquirir o pacote contendo os dois formatos da obra. 

Capa de Morar em apartamento, de Simone Villa