Geografia tecnológica: Sistema de Informações Geográficas e outras tecnologias

O desenvolvimento do Sistema de Informações Geográficas (SIG) impactou diretamente a vida de profissionais e pesquisadores

Um novo campo dentro do saber geográfico foi constituído com o advento de novas tecnologias, como o Sistema de Informações Geográficas (SIGs). Os SIGs permitiram coletar, armazenar, recuperar, transformar e visualizar dados e informações a eles vinculadas.

O Paulo Roberto Fitz, doutor em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pela UFRGS e professor adjunto do Centro Universitário La Salle, concedeu uma entrevista ao Comunitexto explicando as mudanças no setor geográfico com essas tecnologias, as principais aplicações de cada uma e como tem sido os investimentos nessas ferramentas. Confira!

Comunitexto (CT): Qual foi o impacto das novas tecnologias nos estudos geográficos?

Paulo Roberto Fitz (PRF): Em primeiro lugar, posso dizer que foi um impacto profundo, que causou grandes alterações na forma de encarar a atuação do profissional geógrafo. A introdução de novas tecnologias levou, inclusive, à reformulação curricular de todos os cursos de Geografia existentes.

Questões do nosso cotidiano atual remetem ao uso de diversas tecnologias que envolvem praticamente todas as áreas do conhecimento; entre elas, a Geografia contribui de forma significativa com seu arcabouço teórico-metodológico quando a tarefa trata de questões espaciais. O uso de mapas e de dados que podiam ser vinculados a esses mapas sempre serviu de suporte para análises geográficas.

Hoje em dia, as novas tecnologias, em especial as geotecnologias, suprem o trabalho outrora realizado de forma um tanto artesanal com excelentes ganhos. A sobreposição de mapas, a análise interpretativa de aerofotos, entre outras técnicas utilizadas até então, foram sendo incrementadas pelo ferramental hoje disponibilizado.

Assim sendo, tarefas como a elaboração de estudos de impactos ambientais, zoneamentos diversos, planos de ordenação, estratégias de gestão espacial e tantas outras atribuições previstas em lei para o profissional geógrafo são executadas de forma muito mais rápida, eficiente e precisa com o auxílio das geotecnologias.

CT: Quais são as principais ferramentas tecnológicas utilizadas em geoprocessamento?

PRF: Primeiramente, temos que distinguir geoprocessamento do que chamo de geotecnologias.  O chamado geoprocessamento diz respeito especificamente ao processamento e análise de informações espaciais. Já as geotecnologias envolvem as novas tecnologias ligadas a um uso mais geral de informações espaciais que inclui, portanto, o geoprocessamento. Assim, prefiro trabalhar com o termo geotecnologias para tratar do ferramental utilizado nessas ações. Nesse sentido, podem-se citar o Sistema de Informações Geográficas (SIGs), o sensoriamento remoto, os sistemas de posicionamento por satélite e o próprio geoprocessamento, como comentado anteriormente.

CT: Como tem sido o investimento nesses novos sistemas de informações geográficas?

PRF: As empresas têm investido cada vez mais no desenvolvimento de ferramentas e aplicativos. Muitos deles podem ser vislumbrados em nosso dia a dia, por exemplo, nos receptores GPS existentes nos automóveis, ou em programas disponibilizados na rede mundial de computadores, como o Google Earth e o Google Maps.

Em termos mais específicos, podemos citar o desenvolvimento de aplicativos envolvendo análises estatísticas, o que auxilia bastante certos trabalhos. Entretanto, um dos problemas vinculados a toda essa evolução diz respeito à necessidade de atualizar, tanto em termos de software quanto de hardware, ou mesmo de treinamento de equipes. E isso custa caro…

CT: Os SIGs são diferentes de outros sistemas como CAD, CAM e AM/FM. O senhor pode falar um pouco sobre cada um?

PRF: Bem, temos que entender que um SIG é um “sistema de informação”, ou seja, um conjunto de programas computacionais projetado para a obtenção de informações a respeito de determinados dados. Além disso, um SIG pode estabelecer relações espaciais entre elementos gráficos para se realizar estudos de lugares, de suas propriedades e características. O somatório dessas características é que o torna tão especial. 

Um sistema CAD (projeto auxiliado por computador), por exemplo, armazena dados espaciais simplesmente como entidades gráficas e é excelente para trabalhos vinculados a projetos de engenharia ou arquitetura.

Já um sistema CAM (mapeamento auxiliado por computador) trabalha com a produção de mapas através de camadas de entidades gráficas; é uma sofisticação dos CAD em termos de uso em cartografia, mas ainda sem as possibilidades de um SIG. 

Os sistemas AM/FM (mapeamento automatizado/gerenciamento de equipamentos) também se baseiam nos sistemas CAD, mas são menos precisos e detalhados do que estes, e enfatizam o armazenamento e a análise de dados para a geração de relatórios. Os SIGs, portanto, são bem mais complexos e eficazes para os fins que lhes são propostos.

CT: Quais são as principais aplicações de um SIG?

PRF: Em termos gerais, os SIGs podem ser aplicados em diferentes perspectivas. No que diz respeito a aplicações bióticas, pode-se pensar em análises de uso do solo, gestão de recursos naturais, planejamento e gestão do espaço agrário, monitoramento de áreas cultivadas, florestadas etc., entre outras.

Nas áreas públicas, administrativas e de gestão do espaço, citam-se demandas relacionadas ao cadastro, planejamento e gestão do espaço urbano e rural, questões referentes à defesa e segurança, e assim por diante.

Pode-se, ainda, pensar em termos de aplicações socioeconômicas, onde se inserem análises de mercado (geomarketing), trabalhos com censos e estatísticas populacionais. Outras aplicações podem se dar em termos mais gerais, como no caso de estudos de questões ambientais locais ou globais e na produção e divulgação de bases de dados para uso comum. Como se pode ver, as aplicações são incontáveis…

CT: Quais os benefícios que essas ferramentas trazem em relação ao conhecimento da geografia do planeta?

PRF: Creio que essas ferramentas estão auxiliando sobremodo o aprendizado de certos aspectos vinculados à Geografia que não faziam parte do conhecimento geral das pessoas. Faz pouco tempo, por exemplo, que as pessoas se preocupam em achar certos lugares consultando ferramentas como o Google Maps e GPS, em seus automóveis, celulares, ou tablets. O uso de aplicativos como o street view é outra forma de disseminação da geografia a partir das geotecnologias. De igual sorte, pode-se incluir o Google Earth, onde as possibilidades são infindáveis; em poucos segundos, é possível deslocar-se do Brasil para o Egito e observar as pirâmides de Gizé em terceira dimensão, com fotos do entorno e constatar, por exemplo, a proximidade da cidade do Cairo e seus arredores.

CT: Existe uma diferença entre o uso dessas tecnologias no Brasil e em outros países?

PRF: Em termos gerais, não. O que muda um pouco são os profissionais que interagem com tais tecnologias. Nos Estados Unidos, por exemplo, essas tecnologias são trabalhadas em sua maioria por profissionais geógrafos. No Brasil pós-década de 1970, como os cursos de Geografia optaram por um viés mais voltado para a área das ciências humanas, houve certo afastamento de técnicas e métodos quantitativos, o que ainda repercute no meio acadêmico. Dessa forma, essas tecnologias foram apropriadas somente por parte dos profissionais geógrafos brasileiros. Como consequência, colegas de áreas afins, como os cartógrafos, acabaram por abarcar esses conhecimentos e os trabalhos deles derivados. Entretanto, percebe-se uma paulatina recuperação acadêmica e profissional do geógrafo enquanto analista geotecnológico, uma vez que as análises demandadas pelo espaço geográfico vão bem mais além do que a confecção e interpretação de mapas. Essa constatação está bem presente no perfil exigido pelo mercado quando da contratação de profissionais para atuar com essas ferramentas.


Para saber mais

A obra Geoprocessamento sem complicação, de Paulo Roberto Fitz, atende à crescente popularização do sensoriamento remoto para aquisição de dados por meio das imagens de satélite, em programas televisivos e via Google Earth. Mostra desde a conceituação das bases de dados para a construção de um Sistema de Informações Geográficas (SIG), a estrutura de um SIG, seu comportamento e suas principais funções, até as técnicas de geoprocessamento, sem descuidar da base cartográfica e dos critérios de decisão que alimentam o processamento.

Capa de Geoprocessamento sem complicação.