Fernando Campagnoli fala sobre a gestão de reservatórios de hidrelétricas

Fernando Campagnoli, pós-doutorado pelo Instituto Internacional de Ecologia, Especialista em Regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Diretor de Produtos do Sistema de Proteção da Amazônia do Ministério da Defesa, concedeu uma entrevista para o Comunitexto contando todos os detalhes sobre a organização do livro Gestão de reservatórios de hidrelétricas, recém-lançado pela Oficina de Textos. Confira o bate-papo na íntegra abaixo.

Comunitexto (CT): Como foi a experiência de organizar o livro Gestão de reservatórios de hidrelétricas?

Fernando Campagnoli (FC): Foi muito interessante juntar vários especialistas que estudam e operam na área de gestão de reservatórios, pois cada especialista pôde desenvolver seu capítulo em suas linhas de ação, de forma que todos esses estudos e capítulos se integrassem em prol de instrumentos de gestão de reservatórios aqui no Brasil. É o primeiro livro voltado ao tema aqui no País.

CT: E como foi levantar essa discussão nesse momento?

FC: Esse assunto já é relevante há muitos anos, desde que eu estava na Agência Nacional de Energia Elétrica que nós operávamos com esses contratos de concessão. Naquela época, há 10 anos, nós imaginávamos que o órgão regulador precisaria de algum tipo de normativa que pudesse abordar este tema. Então desenvolvemos um pouco essa linha de pensamento e aproveitamos que a Eletronorte teve interesse em patrocinar o livro.

A própria Eletronorte, que apresenta o livro pela própria experiência com a implantação do reservatório de Tucuruí na década de 1980, já lidava com esse tema. A empresa fez todo um trabalho de gestão desse reservatório com as comunidades que foram impactadas pelo empreendimento e, posteriormente, passaram a fazer parte como atores da gestão territorial junto com a própria Eletronorte. Foi muito interessante o apoio dado pela Eletronorte, que demonstrou naquela época o interesse das concessionárias estatais, com vários exemplos de instrumentos aplicados por essas empresas, além de experiências aplicadas por concessionárias privadas também, todas no sentido de cuidar do maior patrimônio que o País tem, o potencial hidráulico.

Nesse ambiente institucional em que vivemos hoje, e no qual está se fazendo toda uma rediscussão dos contratos de concessão e do marco regulatório, esse material pode ser útil na discussão e na nova regulamentação que deve ser feita. Já existem algumas iniciativas e normativas apresentadas pela ANEEL e pela ANA, que dizem respeito à atualização e às cotas de volume de reservatórios, as quais são um início da discussão em um campo mais prático e operacional.

CT: Qual a importância de uma boa gestão de reservatórios para o crescimento do País?

FC: O que precisamos avaliar quando se faz um reservatório não é apenas o impacto ambiental, como a própria legislação exige; na verdade, o maior desafio são as centenas de oportunidades que um reservatório gera na hora em que ele é colocado em uma região. Acho que a grande discussão que se coloca é: qual é o potencial daquela região além do hidráulico, que é o objeto deste empreendimento economicamente viável? A sustentabilidade dessa região depende de um desenvolvimento regional específico que atenda às potencialidades locais e, essencialmente, aos atores locais, comunidades, populações, minorias, que precisam fazer parte desse mosaico de atores. A partir desse mosaico, junto com o próprio concessionário podem ser discutidas várias possibilidades de melhoria de emprego, renda, além do desenvolvimento regional.

Então, buscamos abordar, nesse viés, outras aplicações importantes para a geração de renda, como a parte de agricultura, pesca e proteção das margens dos reservatórios. Citamos exemplos inclusive de instrumentos aplicados pelos concessionários e que são demonstrados com benefícios socioambientais desses reservatórios. Quer dizer, o quanto o País, por meio desses contratos de concessão, investiu do ponto de vista legal e do ponto de vista de pró-atividade dos concessionários?

Hoje temos um País que tem de um lado uma riqueza, que é o potencial hidráulico, e, de outro , uma vez que o reservatório está implementado, uma série de possibilidades econômicas que podem fazer parte de um plano de gestão desse reservatório, que passa a ser um novo indutor daquele desenvolvimento regional; na qualidade de importante veículo importante para o desenvolvimento, ele pode se adequar. Esse vetor de desenvolvimento pode, e deve, fazer um trabalho junto com os atores regionais no sentido de favorecer a aplicação de políticas públicas de governo.

Eu acho que é uma grande oportunidade, hoje, nós podermos trazer à tona essa discussão. O livro faz uma pequena pincelada em alguns assuntos, evidentemente não esgota o tema, mas toca em alguns setores que podem e devem fazer parte dessa discussão, a qual precisa sempre ser específica para cada região.

CT: Mande um recado para quem vai começar a ler o livro Gestão de reservatórios de hidrelétricas ou a trabalhar nesta área.

FC: Eu acho que todo ator que entra neste assunto é muito bem-vindo. É um grande tema, extremamente amplo, com várias oportunidades de desenvolvimento profissional e técnico. Nós abrimos este tema em microtemas, cada capítulo aponta um tema relacionado à gestão. Para quem está iniciando e vai utilizar o livro, deve saber que não é um guia, não é uma norma técnica ainda. Não era nossa intenção neste momento fazer nenhuma norma, pois não podemos engessar cada caso com a sua realidade local.

Devemos, junto com todos os outros atores que estiverem operando no assunto a partir deste livro, desenvolver estudos apontando para que tenhamos no Brasil alguma normativa a ser feita para garantir que os reservatórios operando hoje, quando forem renovar seus contratos de concessão, tenham um reservatório muito mais próximo do que ele foi quando nasceu para construir a usina. Que nós possamos garantir esse patrimônio para as próximas gerações, cuidando dele como qualquer patrimônio cultural, material etc., porque na verdade esse é um ativo que o País tem e do qual deve cuidar por várias gerações. Não podemos pensar nos reservatórios apenas para uso no curto e médio prazo de um período de concessão.


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Capa de Gestão de reservatórios de hidrelétricas.

É uma obra de referência para profissionais de gestão, regulação, técnicos e pesquisadores envolvidos na regulação e gestão de reservatórios de hidrelétricas, patrocinado por Eletrobras Eletronorte, MME.