A importância dos estudos cartográficos para os geógrafos

Aprofunde-se nos estudos cartográficos com o livro “Roteiro de cartografia”, de Paulo Menezes e Manoel Couto Fernandes

Imagem aérea de uma área com vegetação, cadeias montanhosas e um rio.

Imagem retirada do livro Roteiro de cartografia (Todos os direitos reservados.)

Os geógrafos são profissionais que têm ganhado cada vez mais destaque e importância no mercado Brasileiro. Pensando nisso, elaboramos uma entrevista com Paulo Menezes, doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Manoel Couto Fernandes, doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, para saber mais sobre a importância dos estudos cartográficos e as perspectivas da área.

Comunitexto (CT): Qual a importância dos estudos cartográficos para os geógrafos?

Paulo Menezes (PM) e Manoel Couto Fernandes (MCF): Face à Geografia, a Cartografia apresenta-se funcionalmente como uma ferramenta de apoio, permitindo, por seu intermédio, a espacialização de toda e qualquer tipo de informação geográfica. Dessa forma, para o geógrafo, é imprescindível o conhecimento dos aspectos básicos da cartografia e dos fundamentos de projeto de mapas. O cartógrafo geográfico deve ser distinto de outras áreas de aplicação da Cartografia, pois a sua representação pode ser considerada ao mesmo tempo ferramenta e produto do geógrafo.

O geógrafo como cartógrafo deve perceber a perspectiva espacial do ambiente geobiofísico, tendo a habilidade de abstraí-lo e simbolizá-lo. Deve conhecer projeções e selecioná-las; ter a compreensão das relações de áreas e também conhecimentos da importância da escala na representação final de dados e informações.

Por outro lado, deve ter a capacidade, devido à intimidade com a abstração da realidade e sua representação, de avaliar e revisar o processo, visando facilitar o entendimento por parte do usuário final. É fundamental a sua participação no projeto e produção de mapas temáticos, associando também a representação de outros tipos de informações, tais como sensores remotos.

Carl Sauer em 1956 sintetiza claramente a importância da Cartografia para o geógrafo, através da seguinte citação: “Mostre-me um geógrafo que não necessite deles (mapas) constantemente e os queira ao seu redor e eu terei minhas dúvidas se ele fez a correta escolha em sua vida”.

Quando se pensa em Cartografia, pensa-se praticamente só em mapas. Porém, Cartografia é muito mais do que simplesmente “fazer” mapas.

Uma das definições da Cartografia é de Fraser Taylor: “a ciência que trata da organização, apresentação, comunicação e utilização da geoinformação, sob uma forma que pode ser visual, numérica ou tátil, incluindo todos os processos de elaboração, após a preparação dos dados, bem como o estudo e utilização dos mapas ou meios de representação em todas as suas formas”. Essa definição apresenta conceitos que sempre acompanharam a Cartografia, mas que não eram citados, colocando-a como uma ciência da geoinformação ou da informação geoespacial, ou seja, vinculada à superfície terrestre, seja ela de natureza física, biológica ou humana.

Para a Geografia, é também indiscutível a importância da forma de representação da informação geográfica, em essência dos mapas e da Cartografia. Através deles o geógrafo pode representar todos os tipos de informações geográficas, bem como da estrutura, função e relações que ocorram entre elas, pela caracterização de sua aplicação em quaisquer campos do conhecimento que permitam vincular a informação à superfície terrestre. Dentro da divisão da Cartografia, um dos cartógrafos temáticos é o geógrafo por excelência, tanto por ser a Geografia a ciência mais integrativa dentro do conhecimento humano, como por ter a necessidade de visualizar os relacionamentos entre conjuntos de informações que isoladamente não permitiriam inferir conclusões.

CT: A cartografia também funciona como uma interseção entre artes e ciências. Os senhores podem falar um pouco mais sobre isso?

PM e MCF: Existe um sem-número de exemplos da interação entre Cartografia e Arte. Muitas vezes é citada a aparência dos mapas como pinturas, ou a pintura existente nos mapas, vistos não como representação científica, mas como um trabalho de arte iconográfico. Mapas e artes têm uma interação histórica, podendo apresentar funções de ordem estética e prática. Mapas, como a arte, formam uma estrutura visual sólida, ligando tempo, espaço e referências conceituais.

A Cartografia mundial é repleta de exemplos. Em especial a portuguesa dos séculos XVI e XVII, com Luis Teixeira e João Teixeira Albernaz.

O mapa de Imola de Leonardo da Vinci é um excelente exemplo da interação Cartografia e Arte. É um excelente documento científico, no qual se apresenta uma projeção ortogonal, com o traçado da estrutura da cidade, e também a bacia hidrográfica além dela. É arte pela clareza, eficiência e forma de apresentar e transmitir o tema da representação, não apenas como uma forma superficial de ornamento e beleza.

Por outro lado, mapas temáticos, hoje em dia, são tratados sob o aspecto da visualização científica, a qual reúne não só os requisitos científicos, mas também os aspectos estéticos da representação.

A Associação Cartográfica Internacional (ACI) possui como uma das suas Comissões Técnicas a de Cartografia e Arte, demonstrando a importância do assunto.

CT: Com o boom de tecnologias e a possibilidade das pessoas terem acesso à cartografia enquanto instrumento de construção de representações espaciais, o que muda no mercado destes profissionais? Quais as perspectivas?

PM e MCF: A Cartografia foi sem dúvida uma das áreas do conhecimento que mais foi impactada com o desenvolvimento científico e tecnológico, principalmente em relação à eletrônica e à computação. Esse desenvolvimento foi particularmente sentido nas duas últimas décadas, quando do aperfeiçoamento dos equipamentos que viriam a permitir a medição eletrônica de distâncias, a visualização gráfica de informações, e os sistemas de bancos de dados.

A partir desse período, os computadores começam também a afetar o tratamento cartográfico profissional para a construção de mapas. Qualquer indivíduo que possua um software de cartografia, bem como um hardware com capacidade de processamento gráfico, é capaz de gerar mapas com pelo menos uma aparência de qualidade. Dessa forma, o que se vê até hoje, e com um crescimento cada vez mais acentuado, é uma popularização da ciência cartográfica. Mais e mais pessoas passam a trabalhar com cartografia, apoiadas nos sistemas computacionais, criando-se uma falácia que pode ser descrita pela afirmação de que nunca se produziu tantos mapas.

Evidentemente, é importante para a Cartografia essa popularização, pois muito foi desmitificado, permitindo o aparecimento dessa grande massa de mapas e outros documentos cartográficos, divulgando e disseminando a informação geográfica. Porém, muitas vezes a documentação gerada pode ter qualidade inferior, pela falta de conhecimentos cartográficos do pessoal envolvido nos trabalhos. Atualmente pode-se notar que existe uma tendência para a busca do conhecimento cartográfico necessário, pois o nível de sofisticação dos softwares exige um mínimo desse conhecimento por parte de seus usuários.

Apesar da forma com que a ciência computacional reformulou os processos cartográficos, os procedimentos em si não se constituem em novos paradigmas, sendo necessário que os conceitos continuem cada vez mais presentes, pois o seu desconhecimento implicará representações.

O mercado para a geoinformação hoje, e aí podemos incluir as tecnologias modernas cartográficas e de apoio, sistemas de informações geográficas (SIG), tecnologias de aquisição da informação, tais como laserscanning, sensores remotos, VANT e outros, exige um conhecimento profundo dos conceitos, manuseio e utilização das tecnologias e da própria informação geoespacial.

CT: Deem algumas dicas para quem deseja se especializar em Cartografia.

PM e MCF: O campo de aplicação hoje da Cartografia e da informação geoespacial é bastante amplo, principalmente se levarmos em consideração a sua utilização em praticamente todos os ramos que demandam gerenciamento de informações. Os exemplos de uso ou aplicação são inúmeros e ganham importância num mundo globalizado, onde não existem fronteiras, podendo-se citar monitoramento ambiental, ordenamento territorial, alertas, atendimento às emergências, análise de riscos, estudos de impactos a desastres naturais ou não, saúde, defesa civil, desenvolvimento e planejamento urbano, governo eletrônico e diversos outros.

Uma especialização em Cartografia requer inicialmente o conhecimento de seus conceitos básicos. O conhecimento das tecnologias de SIG, sensores remotos e outros também será essencial.

Por outro lado, têm que ser analisadas as competências técnicas e, nesse caso, o geógrafo está inserido como produtor de material cartográfico.


Para saber mais

Capa de Roteiro de Cartografia, ótima obra para se aprofundar nos estudos cartográficos.

O livro Roteiro de cartografia, de Paulo Menezes e Manoel Couto Fernandes, apresenta os principais conceitos dessa área do conhecimento, sua interligação e integração com o geoprocessamento, as mudanças causadas pela integração de diferentes documentos cartográficos e o impacto das novas tecnologias neste mercado.