Os desafios da gestão de riscos e desastres na política pública

Economista e doutora em Ciências Humanas e Sociais, Norma Valencio analisa os desastres naturais e os decretos de emergência sob uma perspectiva pouco disseminada da gestão de riscos.

Quando falamos em gestão de riscos e desastres, há duas principais correntes teóricas de estudos. Uma delas, a predominante, é baseada nos chamados hazards, eventos que levam a perturbações severas no cotidiano de determinada comunidade. É o caso de precipitações pluviométricas intensas, terremotos, escorregamos de encostas, entre outros. 

Mas os hazards em si não são um desastre. Uma chuva forte, por exemplo, pode causar uma certa perturbação na rotina, mas não necessariamente é um desastre.

O que vai fazer isso se tornar um desastre é como a sociedade responde a essa perturbação, como ela se preparou antecipadamente, ou não, para lidar com essas situações adversas.

A segunda corrente, emergente no Brasil, pleiteia a desnaturalização dos desastres. Esta corrente, à qual Norma Valencio está ligada, olha para o desastre sob uma perspectiva diferente.

É o desastre em relação à dinâmica social, que produz sofrimento coletivo por perdas e danos, à dinâmica da administração pública, que decreta emergência por conta da sua incapacidade em gerir perdas e danos coletivos dentro da normalidade de funcionamento da administração pública.

Este tema é abordado por Norma em um capítulo exclusivo no livro Riscos híbridos: concepções e perspectivas socioambientais, publicado pela Oficina de Textos.

Políticas públicas e os decretos de emergência

Esses decretos de emergência vêm aumentando em proporções preocupantes no Brasil. Nos últimos anos da atual gestão federal, foram cerca de 10 mil declarações de emergência por ano.

Considerando que o país tem 5.570 municípios, significa que, em média, cada município brasileiro decretou emergência duas vezes durante o ano. “E isso não se deve só à pandemia”, ressalta Norma. “É um dado preocupante, porque a emergência é um estado de exceção. Só que a exceção está passando a ser a nova normalidade”.

Atualmente, o conhecimento científico em Meteorologia, Climatologia, Geologia e Geotecnia, por exemplo, permite que os gestores públicos tenham, com antecedência, informações sobre quais são as ameaças a médio prazo. Dessa forma, é possível pensar em políticas públicas de prevenção e preparação para que as cidades e as comunidades não sejam apanhadas de surpresa.

A declaração de emergência é justamente um atestado de que essas políticas públicas não funcionaram. “É um atestado de insuficiência ou omissão em relação às políticas de prevenção e preparação”, destaca Valencio. 

“Significa dizer que a preparação que deveria ser feita pelos agentes operacionais no terreno não foi feita a contento, a despeito do conhecimento técnico-científico existente. Significa que a crise que se manifesta no terreno não é a primeira coisa que acontece. O fato é que o Estado se revela incapaz de fazer uma boa gestão protetiva e antecipada dos seus cidadãos”.

Gestão de riscos: como mudar a cultura em relação aos desastres?

Em 2003, estava-se construindo na sociedade o interesse pelo estudo dos desastres. À época, havia possibilidade de fóruns de discussão, seminários e conferências. Agora, segundo Norma Valencio, a situação é bastante diferente, com uma corrente principal consolidada e hierarquizada, que não compreende o problema da estrutura do modelo de desenvolvimento desigual. 

Ela explica que “o esforço agora é de desconstrução das verdades consolidadas sobre o que são eventos, decretos de emergência e desastres. O ponto de partida dessa desconstrução é ter ambientes de discussão, ambientes de produção de conhecimento científico e de elaboração de estímulo a políticas públicas que sejam polifônicos”.

Para Norma Valencio, é preciso criar condições para fazer o enfrentamento preventivo e preparativo. Ela acredita que é necessário construir uma agenda participativa e democrática e compreender que “toda declaração de emergência é uma declaração de fracasso”.

Confira abaixo a entrevista completa com Norma Valencio
Entrevista com Norma Valencio sobre o livro “Riscos híbridos”, concedida em 2022 (Vídeo: Reprodução/YouTube/@ofitexto)

Entenda mais sobre riscos híbridos

Norma Valencia é uma das autoras do livro “Riscos híbridos: concepções e perspectivas socioambientais“, publicado em 2021 pela Oficina de Textos.

No capítulo “Riscos emergentes aos desastres recorrentes, os desafios de segurança ontológica ante uma gestão pública obtusa”, Norma escreve sobre a natureza das relações sociais com as instituições públicas, no contexto brasileiro, que causam uma insegurança ontológica, ou seja, uma insegurança profunda e radical em relação à capacidade de prover no médio e longo prazo como sociedade, ter uma vida digna e garantir os direitos de cidadania.

Capa do livro "Riscos híbridos: concepções e perspectivas socioambientais", publicado em 2021 pela Editora Oficina de Textos

Capa do livro “Riscos híbridos: concepções e perspectivas socioambientais”, publicação da Editora Oficina de Textos

Sobre a autora Norma Valencio

Norma Valencio é economista, Mestre em Educação (nas áreas de Filosofia e História), Doutora em Ciências Humanas (na área de Ciências Sociais) e especialista em Sociologia dos Desastres. É Professora Sênior junto ao Departamento e ao PPG de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Em 2005, fundou, e hoje é vice-coordenadora, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres (NEPED), do Depto. de Ciências Ambientais da UFSCar. Nas últimas décadas, atuou como Profa. Colaboradora do PPG Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – ICHSA/UNICAMP (2020/2023); Profa. Especialista Visitante no IFCH/Unicamp, junto ao curso de Ciências Sociais (2019); Profa. Colaboradora do PPG em Ciências da Engenharia Ambiental da EESC/USP, na docência e orientação M e D em Economia Ambiental e Sociologia dos Desastres.

Atualmente, investiga a multidimensionalidade de desastres e de crises socioambientais agudas correlatas – nos aspectos culturais, econômicos, urbanos, políticos, midiáticos, psicossociais e institucionais – e suas conexões com crises crônicas através da abordagem de sistemas complexos.