Lázaro Zuquette fala da nova legislação na prevenção de desastres

Nova legislação pode colaborar na prevenção de desastres naturais? Confira a entrevista com Lázaro Zuquette

Em janeiro de 2011, enchentes e deslizamentos deixaram cerca de mil mortos e 500 desaparecidos na Região Serrana do Rio de Janeiro. A tragédia evidenciou a precariedade dos sistemas de alerta no Brasil e foi considerada por especialistas como a prova definitiva de que era preciso investir na prevenção de desastres.

O mais importante desdobramento dessa análise foi a Lei nº 12.608, sancionada em abril, que estabelece a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil e cria o sistema de informações e monitoramento de desastres, de acordo com especialistas reunidos no seminário “Caminhos da política nacional de defesa de áreas de risco”, realizado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) no dia 6 de agosto.

A nova lei obriga as prefeituras a investir em planejamento urbano na prevenção de desastres do tipo enchentes deslizamentos de terra. Segundo os especialistas, pela primeira vez a prevenção de desastres poderá ser feita com fundamento técnico e científico sólido, já que a lei determina que, para fazer o planejamento, todas as prefeituras precisarão elaborar cartas geotécnicas dos municípios.

Katia Canil, pesquisadora do Laboratório de Riscos Ambientais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), disse que as prefeituras terão dois anos para elaborar as cartas geotécnicas para lastrear seus planos diretores, que deverão prever ações de prevenção e mitigação de desastres. Os municípios que não apresentarem esse planejamento não receberão recursos federais para obras de prevenção e mitigação.

Segundo Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro da coordenação do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, a experiência internacional mostra que a prevenção pode reduzir em até 90% o número de vítimas fatais em desastres naturais, além de diminuir em cerca de 35% os danos materiais. Ele acredita que a engenharia terá um papel importante na prevenção de desastres, e o engenheiro do século XXI precisará ser treinado para sustentabilidade, que pode solucionar alguns dos principais problemas da atualidade.

Além da nova legislação, que obrigará o planejamento com base em cartas geotécnicas dos municípios, o Brasil conta com diversas iniciativas na área de prevenção de desastres.

Fonte: Agência Fapesp.


Para nos aprofundarmos no tema exposto nessa matéria, procuramos o professor da USP de São Carlos e especialista na área, Lázaro Zuquette, escritor do livro Cartografia geotécnica, o qual apresenta técnicas para a construção das cartas geotécnicas que os municípios deverão produzir.

Foto do prof. Lázaro Zuquette, homem branco, careca, com uma blusa clara de botão e sorrindo.

Professor Lázaro Zuquette (Fonte: Gazeta do Povo)

Confira:

Comunitexto (CT): O monitoramento de áreas de risco para prevenção de desastres pode de fato ajudar a preveni-los?

Lázaro Zuquette (LZ): A questão é monitorar o processo que dá origem ao desastre, então o que tem que se monitorar, no caso de deslizamentos, por exemplo, não é a chuva, e sim a quantidade de água que entra no solo e a relação dela com a perda da resistência do solo. Portanto, é necessário monitorar as condições que podem levar a um desastre, lembrando que, para definir uma área de risco, é preciso definir como será (ou como costuma ocorrer) o evento naquela área.

A regulamentação técnica é fundamental. O sistema que existe hoje para elaborar esses documentos é baseado em dados da defesa civil, que não contam com normas técnicas, apenas com relatos da população, o que não gera expertise para determinar uma área de risco e as condições do solo do local. Então, esse suposto monitoramento que ocorre atualmente não funciona, porque não foi feito com base técnica.

CT: O sistema de informações que está sendo montado no Brasil poderá funcionar como os grandes sistemas internacionais? Há tecnologia no País para isso?

LZ: O Brasil possui tecnologia e pessoas para isso, mas muitos acreditam que o investimento nessa área seja muito alto. A expectativa é de que um município gaste em média R$ 600.000,00 para realizar o monitoramento com as devidas técnicas. Muitos consideram esse um valor altíssimo, mas com o incidente que ocorreu em Petrópolis, por exemplo, a prefeitura teve um gasto de 5 milhões de reais para a reconstituição da cidade; então, seria muito melhor que tivessem investido nessas técnicas em vez de gastar mais de oitos vezes a mais do que o previsto no investimento. Um documento bem estruturado permite preparo para evitar problemas maiores.

CT: A matéria diz que os engenheiros terão que ser treinados para a engenharia da sustentabilidade, para ajudar a solucionar os problemas causados por desastres. Há outro profissional que seja imprescindível para o bom funcionamento do monitoramento de desastres?

LZ: Para trabalhar com engenharia de sustentabilidade, não importa qual será a formação do profissional, pode haver uma gama de profissionais, o essencial é ter conhecimento de geotecnia. O conhecimento varia de acordo com a área específica em que ele vai trabalhar; importam sua competência e a capacidade. Há geógrafos em Santa Catarina com grande conhecimento na área, assim como engenheiros de minas com grande conhecimento da área em Natal. No momento nenhum curso superior prepara ou dá competência nessa área. Pode ser que algum curso de especialização ou pós-graduação ajude, mas o conhecimento sólido só vem com o trabalho na área.

CT: A nova legislação obrigará o planejamento com base em cartas geotécnicas dos municípios. Poderia nos explicar como isso funcionará? Como seu livro pode colaborar para o projeto?

LZ: Uma coisa está interligada à outra, é uma lei, mas não foi regulamentada ainda. Os municípios não são obrigados a nada, eles devem obedecer à legislação caso se inscrevam num projeto que exista para receber dinheiro depois. Entretanto, não existe regulamentação do que seja uma carta geotécnica. Os municípios terão obrigações somente se participarem de algum projeto para o monitoramento de área de riscos para prevenção de desastres. Se os municípios mostrarem qualquer carta e a chamarem de carta geotécnica, não se pode contestar, mesmo que não seja de fato uma carta geotécnica dentro dos parâmetros fartamente estabelecidos pela literatura técnica. Existem diversos problemas relacionados à Lei.

Enquanto não regulamentarem a lei, não há como cobrar, então primeiro se deve regulamentar, e isso significa dizer exatamente o que compõe a carta geotécnica. O livro Cartografia geotécnica só vai ajudar se a regulamentação exigir o conteúdo da carta geotécnica, especificando cada uma das etapas e a metodologia do processo.

O uso correto de cartas geotécnicas depende de diversos fatores e, como não há regulamentação, cada um faz o trabalho como deseja, e não necessariamente como deveria ser. Assim sendo, como se cobrar qualidade? Não se cobra. Espero que o governo regulamente a lei, pois é insustentável continuar tomando por base os dados fornecidos pela defesa civil para fazer o monitoramento de áreas de risco para prevenção de desastres.

CT: O senhor tem algum envolvimento com projetos da área? Pode citar algum?

LZ: Estou trabalhando com uma equipe do Paraná, na região de Antonina, onde se desenvolve uma série de trabalhos dentro de todas as especificações técnicas ideais de monitoramento. Além disso, sou representante do Centro do Apoio Científico em Desastres (CENACID), atuante na Universidade Federal de Paraná. O CENACID é o único órgão brasileiro que integra o International Consortium on Landslides (ICL), pertencente à Unesco, que volta seus esforços para a recuperação de áreas que sofreram com desastres.


Tudo a ver

Capa de Cartografia geotécnica.

Cartografia geotécnica é fruto de 25 anos de atividades acadêmicas e profissionais exercidas no campo da Geotecnia pelos autores Lázaro Zuquette e Nilson Gandolfi, que criaram uma Escola que desenvolveu metodologias, formou mestrandos e doutorandos e mapeou mais de cinquenta mil quilômetros quadrados, principalmente no Estado de São Paulo.