A vastidão incomensurável de tempo compreende tanto lentas transformações cíclicas quanto as mudanças rápidas que caracterizam, muitas vezes, catástrofes ambientais. Os ciclos da água, das rochas, das montanhas e dos continentes são alguns deles. A própria evolução da vida, tal como formulada por Darwin, Wallace e outros biólogos evolucionistas, encaixa-se em – e depende de – uma visão de história geológica da Terra ampliada em relação àquela vigente até o início do desenvolvimento da moderna Geologia.
A Escala Absoluta do Tempo Geológico vem sendo montada desde os primórdios da Geologia e tem sido continuamente revisada nos últimos dois séculos. A versão mais recente, revisada por ICS (International Commission on Stratigraphy/IUGS 2010), discrimina etapas da história do planeta a partir de determinados intervalos de idade de rochas, com base na ocorrência de eventos relevantes, no reconhecimento de certos fósseis ou em informações geocronológicas.
O tema “Idade da Terra”, nos últimos 400 anos, despertou ampla polêmica no mundo religioso e político, com implicações que se estendem até hoje. No início dos anos 1800, homens com boa formação científica e filosófica acreditavam que a Terra possuísse cerca de 7.000 anos.
Na época, e nas décadas seguintes, poucas vozes eram discordantes. Somente no último quartel do século XVIII, naturalistas germânicos, franceses e britânicos passaram a imaginar que a idade do planeta fosse muito maior do que isso.
Buffon, pensador francês da época das Luzes, impressionou-se com as próprias conclusões: os eventos ocorridos no planeta sugeriam eras de dezenas de milhares de anos. A isso ele chamou, no século XVIII, de “abismo do tempo”. A idade da Terra se estenderia, segundo ele, por cerca de 75 mil anos.
O conceito de “abismo do tempo” tem profundo significado filosófico. Sua importância para a ciência pode ser comparada à mudança de concepção de mundo que aconteceu quando o heliocentrismo substituí o geocentrismo. São avanços profundos do conhecimento científico e da cultura humana, porque mudaram a forma como o homem se reconhece no universo, além das evidentes finalidades práticas, a exemplo de localização de reservas de água, petróleo, gás, minérios, preservação e proteção ambientais.
Um exemplo de fenômeno bastante recente, do ponto de vista geológico, permite compreender a importância e magnitude dos processos geológicos envolvidos: trata-se da formação da bacia sedimentar do Pantanal. Veja a figura abaixo.
Dados de subsuperfície da Bacia do Alto Rio Paraguai, obtidos a partir de poços perfurados pela Petrobras na década de 1960 e curvas de isópacas da Formação Pantanal
(Fonte: Geologia do Brasil)
Sondagens da Petrobras realizadas em diferentes partes da bacia atravessaram cerca de 500 m de sedimentos fluviais e lacustrinos, compreendendo o intervalo desde o Pleistoceno, que abrange cerca de 1.800.000 anos.
Convertendo-se a quantidade de metros em milímetros e dividindo-se os números, tem-se uma taxa de sedimentação de 0,28 mm/ano. A cifra, elevada, é compatível com taxas de 0,5 mm/ano no Gráben do Reno (França-Alemanha); 0,2 mm/ano no Lago Baikal (Rússia) e 0,4 mm/ano na plataforma do Golfo do México (Louisiana, EUA). A acumulação tende a entulhar de sedimentos todo o espaço disponível da bacia.
Considerando que o Pantanal tem permanecido raso durante todo o tempo da história humana, pode-se concluir que a região deva ter afundado continuamente, para acolher mais sedimentos, empilhados lentamente, a uma taxa média superior a 2 mm/10 anos.
O número, aparentemente pequeno, assume grande significado pelo longo intervalo de tempo correspondente. Assim, a bacia sedimentar do Pantanal foi gradualmente formada, desde 1.800.000 anos até o período recente, a partir do afundamento da crosta e do preenchimento por sedimentos fluviais e lacustrinos. Vários eventos geológicos podem ser reconstituídos (afundamento crustal, sedimentação) ao longo do intervalo de tempo considerado. Afinal, de que modo os cientistas construíram as ideias fantásticas sobre a longa duração do Tempo Geológico?
Este texto foi retirado do livro Geologia do Brasil, obra com 900 páginas obrigatória para todos os estudantes de Geologia. Reúne pesquisadores de diferentes áreas da Geologia em uma publicação única, que apresenta e atualiza o conhecimento geológico, de forma completa e didática, para estudantes e profissionais da área.
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