Impactos da pandemia do coronavírus na arquitetura escolar

A comunidade escolar, em todas as suas camadas, se questiona a respeito dos impactos da pandemia do novo coronavírus em diversos aspectos, como na arquitetura, além das medidas que devem ser tomadas para que a saúde de estudantes, professores e demais profissionais que compõem essa esfera seja preservada.

As discussões se estendem, também, para um cenário pós-pandemia: para que novas cepas desse mesmo vírus ou epidemias de outras enfermidades com o mesmo potencial sejam evitadas, é urgente que hábitos e atitudes de convívio social sejam alterados. 

Além disso, levantam-se questões a respeito dos espaços físicos dos ambientes escolares, neste momento e em um futuro próximo. O Comunitexto conversou com Doris Kowaltowski, autora do livro Arquitetura escolar: o projeto do ambiente de ensino, sobre o que terá de ser feito nesses espaços para que os protocolos de segurança nessa nova realidade sejam seguidos adequadamente. 

Preparamos uma série de reportagens fundamentadas nos principais tópicos abordados nesta entrevista. Começamos falando sobre as medidas imediatas que as instituições de ensino devem tomar para que os ambientes escolares sejam espaços seguros.

Principais impactos da pandemia do coronavírus na arquitetura escolar

Doris Kowaltowski faz questão de lembrar que os efeitos da pandemia do coronavírus na educação, de modo geral, foram muito maiores do que a imediata e inevitável migração do espaço físico escolar para o ambiente virtual. A autora aponta os enormes abismos sociais que se deflagraram com o início das aulas on-line: “O acesso à educação sofreu principalmente, de acordo com as desigualdades econômicas e sociais entre o corpo estudantil, com disparidades de acesso a equipamentos, internet, ambientes para estudo dentro de casa e uma crescente insegurança financeira.” 

Segundo ela, essas desigualdades já existiam, porém ficaram muito mais explícitas com os períodos de ensino exclusivamente virtual. De acordo com um levantamento da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o fechamento das escolas nas fases de lockdown prejudica em maior nível as estudantes do sexo feminino. Além disso, Doris aponta para o fato de que grupos historicamente marginalizados e minorias étnicas são os mais afetados negativamente nesse contexto. 

De acordo com a autora, a comunidade acadêmica que se dedica aos estudos relacionados à arquitetura escolar tem elaborado diversas pesquisas que versam sobre a necessidade do desenvolvimento do ensino híbrido, como já tem sido adotado em diversas unidades escolares, e sobre como, segundo essas pesquisas, é urgente que os ambientes físicos sejam “adaptados ou apropriados para este tipo de ensino”. 

Adaptação do ambiente escolar durante a pandemia do coronavírus

Para Doris Kowaltowski, é necessário fazer “uma revisão cuidadosa e sistemática” da literatura que tem sido produzida a respeito das adaptações necessárias para os espaços físicos escolares no período da pandemia e após seu fim. Ela afirma que é importante “levantar os elementos de adaptação, em primeiro lugar, viáveis em edificações existentes, e critérios para projetos novos que preparem o ambiente escolar para possíveis novas pandemias”.

Segundo a autora, é necessário fazer uma análise em duas frentes para observar quais adaptações já adotadas foram eficazes para conter a disseminação do vírus, quais não obtiveram sucesso e por que isso ocorreu. As frentes de observação são as adaptações físicas, que, de acordo com Doris, dizem respeito a modificações do projeto arquitetônico das escolas, e as adaptações de uso, como modificação de comportamento, lotação, horários, atividades, duração de atividades, esquemas de limpeza, troca de ar e manutenção, faixas etárias, entre outras. 

Doris pontua algumas das alterações já estudadas por pesquisadores, incluindo inferências de estudiosos das ciências médicas, como ampliação da ventilação natural nas salas de aula e demais ambientes com concentração de alunos ao longo do período escolar, além da necessidade de reformulação para espaços fechados, como quadras esportivas e refeitórios. 

A autora também lembra que “a lotação das salas de aula deve ser diminuída”, e que as escolas devem aumentar o espaço mínimo por aluno, que, segundo ela, atualmente é de 1,5 m². Com essa mudança, é possível “evitar que pequenas gotículas, que podem viajar por até oito metros, atinjam as demais pessoas presentes no ambiente”. 

O papel dos projetistas, educadores e dirigentes de escolas

Doris também destaca o papel de atores essenciais para que essas adaptações ocorram e sejam realmente eficazes na manutenção dos espaços escolares objetivando a prevenção contra a Covid-19 e possíveis futuras pandemias, como projetistas, educadores e dirigentes de escolas. Segundo ela, esses profissionais “precisam ensinar, aprender e valorizar a prática de pesquisa de qualidade para transformar experiências de dúvida e excitação em um processo dialógico de fazer perguntas criativas, imaginar novas ideias e animar um relacionamento prático com o mundo real”. 

A autora finaliza afirmando que “para conseguir fazer isto precisamos, na área do projeto arquitetônico, de clientes informados, acesso a dados científicos, estudos de caso creditáveis, Avaliação Pós Ocupação (APOs), raciocínio crítico e inferências racionais”. 

Pesquisas em andamento

No que diz respeito às mudanças em curto prazo nos ambientes escolares para a prevenção de novas contaminações com o coronavírus, diversas pesquisas já estão em andamento em todo o mundo e também no Brasil. Doris destaca avaliações realizadas pela Universidade de Brasília (UnB) sobre as condições de uso dos espaços escolares durante a pandemia: “cada ambiente ganhou um indicador de possibilidade de uso com dimensionamento de lotação e prática de ventilação”. 

Doris menciona o estudo do Prof. Dr. Caio Frederico e Silva, em andamento desde antes do início da pandemia do novo coronavírus, intitulado “Escolas bioclimáticas e saudáveis: conforto térmico e qualidade do ar interno em ambientes escolares”, que está sendo estendido para as escolas do Distrito Federal, e propõe “a avaliação da qualidade do ar nas escolas”, uma vez que isso é “fator imprescindível durante a pandemia de um vírus transmitido pelo ar”. 

A arquiteta conclui afirmando que “projetos de escolas saudáveis com base em arquitetura bioclimática na realidade devem ser a norma, com ou sem pandemia”.

Confira abaixo a resposta de Doris Kowaltowski na íntegra:

Comunitexto (CT): O que tem sido discutido a respeito do impacto da pandemia do novo coronavírus na arquitetura escolar? Que tipo de mudanças e adaptações terão de ser feitas?

Doris Kowaltowski (DK): Em primeiro lugar, devemos lembrar que a pandemia de Covid-19 afetou não somente o ambiente no qual ocorrem as aulas, que devido a quarentenas se deslocou para ambientes virtuais, mas principalmente o acesso à educação, que sofreu, por causa de desigualdades econômicas e sociais entre o corpo estudantil, com disparidades de acesso a equipamentos, internet, ambientes para estudo dentro de casa e uma crescente insegurança financeira. Os períodos com apenas o ensino on-line continuam a exacerbar problemas e desigualdades já existentes na educação, com grupos marginalizados e minorias étnicas. Também, as meninas provavelmente serão desproporcionalmente afetadas. As consequências do ensino à distância não estão se decaindo somente sobre alunos, com a fragilização da saúde mental, mas também sobre professores, os quais são, em sua maioria, inexperientes com os novos meios de ensino e necessitam de treinamento com apoio institucional. A pressão para o desenvolvimento dos alunos também foi colocada sobre os pais, com novas demandas para combater a perda no desenvolvimento acadêmico de seus filhos. Pesquisas existentes apontam, neste momento, que é necessário o desenvolvimento da educação de forma híbrida, e relevam a necessidade de ambientes físicos adaptados ou apropriados para esse tipo de ensino.

Em relação ao ambiente físico escolar, já existem pesquisas e relatórios de experiências sobre adaptações do ambiente escolar durante e pós-pandemia de Covid-19 em outros países. Precisamos fazer uma revisão cuidadosa e sistemática dessa literatura para levantar os elementos de adaptação, em primeiro lugar, viáveis em edificações existentes, e critérios para projetos novos que preparem o ambiente escolar para possíveis novas pandemias. Precisamos também analisar estudos de caso para identificar as adaptações que funcionam para reduzir a disseminação do vírus entre os usuários de uma escola e quais não funcionam e por quê. Essa análise deve ser realizada em duas frentes: adaptações físicas (modificações de projeto arquitetônico) e adaptações de uso (modificação de comportamento, lotação, horários, atividades, duração de atividades, esquemas de limpeza, troca de ar e manutenção, faixas etárias, entre outras). Das pesquisas já publicadas, e inferindo das ciências médicas, o que se sabe é que:

  • Para os ambientes, novos critérios sanitários, indicados pela ciência, são a necessidade de ventilação natural ampliada, distanciamento social e maior higiene dos ambientes. Assim, o ambiente escolar necessita de reformas e novas propostas condizentes com esses novos requerimentos sanitários.
  • Para o uso de escolas, sabe-se que a lotação de salas deve ser diminuída e o espaço mínimo por aluno de 1,50 m² para salas de aula, o mínimo atualmente indicado, deve ser aumentado para evitar que pequenas gotículas que podem viajar por até oito metros atinjam as pessoas presentes nas atividades diversas no ambiente. De acordo com estudos mais recentes, as regras de distanciamento durante a pandemia de Covid-19 precisam considerar diversos fatores que afetam o risco de transmissão, incluindo o tipo de atividade realizada (educação física, dança, canto etc.), o tipo de ambiente (interno ou externo), o nível de ventilação e o uso de máscara. O tempo de permanência em espaço fechado deve ser controlado em relação às condições de ventilação, lotação e tipo de atividade. O comportamento dos usuários também necessita de maior controle e disciplina em relação a higiene pessoal, distanciamento social e fluxo de circulação nos espaços.
  • Refeitórios, auditórios e quadras de esportes fechadas devem ter reformulações espaciais e de uso especiais.
  • Os hábitos de abrir e fechar janelas também devem ser alterados. Esses hábitos dependem do clima, dos tipos de esquadrias e de regras de uso. Em climas quentes isso é facilitado; em climas frios, a troca de ar exige também recomendações de vestuário dos usuários. Ar condicionamento exige, ainda, outras regras, como a frequência de troca de ar do ambiente, evitar reciclar o ar de um ambiente e aumentar os cuidados com a limpeza dos filtros. Na maioria das escolas, o ar condicionamento deve ser substituído por ventilação natural eficaz, priorizando a ventilação cruzada.

Os projetistas, educadores e dirigentes de escolas também precisam ensinar, aprender e valorizar a prática de pesquisa de qualidade para transformar experiências de dúvida e excitação em um processo dialógico de fazer perguntas criativas, imaginar novas ideias e animar um relacionamento prático com o mundo real. Para conseguir fazer isso, precisamos, na área do projeto arquitetônico, de clientes informados, acesso a dados científicos, estudos de caso creditáveis, Avaliação Pós-Ocupação (APOs), raciocínio crítico e inferências racionais.

Comunitexto: Essas propostas de reforma e readequação dos espaços têm sido pensadas somente em longo prazo, para um cenário pós-pandêmico, ou é viável pensar em mudanças em curto prazo, considerando as escolas que estão retomando as atividades neste momento da pandemia do novo coronavírus?

DK: É possível pensar em mudanças a curto prazo. Isso já é feito em muitos países e no Brasil também. Para isso, precisamos avaliar as condições ambientais e de uso de cada caso e fazer as adaptações necessárias e viáveis. Na UnB, por exemplo, já foram feitas avaliações dos ambientes de ensino e suas condições de uso durante a pandemia. Cada ambiente ganhou um indicador de possibilidade de uso com dimensionamento de lotação e prática de ventilação. Em alguns casos, o estudo indica a troca de esquadrias para aumentar a área de ventilação natural; para outros espaços, o seu uso foi proibido por falta de condições sanitárias adequadas. 

O estudo desenvolvido pelo Prof. Dr. Caio Frederico e Silva também está sendo estendido para escolas do DF. Esse estudo é a expansão de uma pesquisa que já estava em andamento antes da pandemia: “Escolas bioclimáticas e saudáveis: conforto térmico e qualidade do ar interno em ambientes escolares”. Esse estudo propõe, principalmente, a medição e avaliação da qualidade do ar nas escolas do DF, fator imprescindível durante uma epidemia de um vírus transmitido pelo ar.

Projetos de escolas saudáveis com base em arquitetura bioclimática na realidade devem ser a norma, com ou sem pandemia.


Tudo a ver

Na famosa obra Arquitetura escolar, Doris C. C. K. apresenta tendências e mostra que a cumplicidade da arquitetura com a vida escolar proporciona um melhor rendimento intelectual.

Capa de Arquitetura escolar.