Pesquisadores da Sociedade Americana de Ciência do Solo fizeram um levantamento sobre os solos que existem por baixo das camadas de concreto das grandes cidades, com o objetivo de desenvolver novas ferramentas de sustentabilidade nos espaços urbanos e compreender os compostos presentes em cada região.
O estudo surgiu com o intuito de desmitificar o conceito de que os solos das cidades são inférteis e que possuem poucas variações nos padrões, diferentemente dos solos dos campos. Até o momento, as observações mostraram que eles têm grandes atividades biológicas e padrões complexos com diversas variações.
Os padrões, chamados também de classificações taxonômicas, modificaram-se conforme os anos. Em 1975, especialistas diziam que os solos urbanos eram compostos por materiais que não eram próprios para agricultura, com camada superficial de mais de 50 cm de espessura criada pelo homem, que foi produzida pela mistura, preenchimento ou contaminação da terra em áreas urbanas e suburbanas. Após as recentes descobertas, passaram a ser definidos como uma coleção de corpos naturais na superfície da terra, com espaços modificados ou criados pelos homens com materiais naturais, contendo matérias vivas e suportando (ou tendo a capacidade de suportar) plantações ao ar livre.
Ainda assim, as classificações são pouco definidas, considerando que as propriedades e a fauna presentes no solo podem variar conforme o local. Muitos contêm resíduos de concreto ou pedras em excesso graças à proximidade de construções ou estradas, ou possuem níveis maiores de alcalinidade. Apesar de serem férteis o suficiente para propiciar o crescimento de árvores ou de gramíneas, não são apropriados para plantações de alimentos.
Em compensação, outros espaços proporcionam solos adequados para pequenas áreas de cultivo e um pequeno experimento de mapeamento do solo pode ajudar a detectar quais são os nutrientes presentes no espaço e quais as plantações mais adequadas.
Embora os típicos moradores da cidade não sejam especialistas em solos e possam ter dificuldades iniciais na avaliação do tipo prevalente na área em que moram, o crescimento do interesse em plantação própria como uma fonte de alimentos, de renda ou atividade de lazer tem impulsionado instituições e governos a oferecer incentivos para esse tipo de cultivo. Fins comerciais ou ambientais: o maior interesse dos investidores em agricultura urbana é tornar as pessoas e os solos mais saudáveis.
Fonte: Sociedade Americana de Agronomia.
Entrevista com Igo Lepsch
Iniciativas voltadas para o manejo de solos urbanos e a utilização deles para o plantio também são comuns no Brasil. O Comunitexto entrevistou o especialista em solos Igo F. Lepsch, que tem mestrado e doutorado pela North Caroline State University, EUA, em 1972 e 1975, inúmeros trabalhos publicados e 40 anos de atuação profissional, incluindo pesquisa no IAC e em universidades, consultoria e atividade didática. Confira:
Comunitexto (CT): A Sociedade Americana de Agronomia tem investido em estudos sobre os solos das grandes metrópoles, visando desenvolver métodos para agricultura urbana. Existe alguma iniciativa similar no Brasil?
Igo F. Lepsch (IFL): Sim, no Brasil existem várias iniciativas para estimular a agricultura urbana. Da mesma forma que nos Estados Unidos, no nosso país a maior parte da população concentra-se em áreas urbanas. Contudo, existe grande diferença entre as áreas urbanas dos EUA e do Brasil. Naquele país, a maior parte da classe média vive nos suburbia, em que as moradias se situam em terrenos relativamente maiores que os encontrados nos bairros das cidades brasileiras – onde os quintais geralmente não são muito extensos e, muitas vezes, possuem solo revestido por pavimentos cimentados, inviabilizando-se, assim, a instalação de pequenos pomares, jardins e hortas domésticas.
É comum encontrarmos nas nossas cidades, principalmente em seus bairros periféricos, alguns terrenos baldios (portanto, ociosos) situados, por exemplo, em instituições beneficentes e escolas. Essas áreas poderiam ser muito bem aproveitadas com o cultivo de hortaliças, uma vez que são produtos de alto valor nutritivo e com capacidade de produzir grande quantidade de alimentos por unidade de área. Além disso, as condições climáticas de nosso país permitem a agricultura desses vegetais durante o ano todo. Por isso, muitos órgãos governamentais e ONGs vêm adotando iniciativas a fim de incentivar o cultivo de hortas domésticas e comunitárias.
CT: Segundo as pesquisas da Sociedade Americana, os solos urbanos das cidades dos Estados Unidos não possuem um “padrão”, tornando mais difícil a sua tipificação. Isso também ocorre no Brasil?
IFL: Sim, muitos dos solos urbanos provêm de aterros ou áreas terraplanadas. Tais aterros podem conter, por exemplo, entulhos de construções e, nas áreas terraplanadas, boa parte das camadas naturais mais superficiais do solo, mais férteis, pode ter sido removida. Essas características dificultam bastante a tipificação dos solos que, em Pedologia, é feita segundo as suas camadas naturais (denominadas horizontes), formadas pela ação dos chamados fatores de formação do solo: material de origem (ou rocha), clima, relevo, tempo e organismos. Ao contrário da maioria dos solos das zonas rurais, nos solos urbanos o tempo de formação é relativamente pequeno, o material de origem pode conter entulhos e outros tipos de aterros, e o principal organismo é o homem.
CT: Os solos urbanos são vistos como pouco férteis em comparação com outros tipos de solo. Isso é verdade?
IFL: Depende do local em que se situam e do tipo de interferência humana que sofreram durante os processos de urbanização. Contudo, como a agricultura urbana é praticada em áreas relativamente pequenas, a fertilidade do solo pode ser “construída” com a adição de adubos, principalmente os orgânicos. Tais adubos orgânicos podem ser obtidos nas próprias residências pelo processo denominado compostagem de resíduos, que utiliza folhas de árvores e restos da cozinha, como borra de café, cascas de verduras etc. Esse “lixo orgânico” pode ser colocado em recipientes especiais nos quais irá se decompor, formando, depois de algum tempo, um composto que é um material humífero, escuro e inodoro, que pode ser usado, muito eficientemente, como condicionador de solos – melhorando, assim, as propriedades físicas e químicas do solo.
Por outro lado, é possível fazer correções na acidez do solo usando-se quantidades relativamente pequenas de calcário moído, cinzas de madeira, farinha de ossos e bem como aumentar os nutrientes das plantas, com o uso dos popularmente denominados “adubos químicos” (superfosfatos, salitre do chile, cloreto de potássio etc.). Para isso, é sempre útil, antes dos primeiros plantios, retirar amostras compostas de solo e enviá-las para um laboratório de análises de solo – o qual fornecerá um diagnóstico da fertilidade do solo, indicando o índice de acidez da terra (pH do solo) e o nível (por exexemplo, baixo, médio ou alto) de nutrientes disponíveis (fósforo “resina” e cálcio, magnésio, potássio e sódio trocáveis); bem como a quantidade de corretivos e fertilizante necessária, caso o índice de acidez esteja elevado e os níveis de nutrientes do material do solo sejam diagnosticados como “baixos”.
CT: A poluição das metrópoles e a presença de resíduos de concreto ou pedras interferem na qualidade dos solos? Se sim, como contornar esse problema?
IFL: Sim. No caso da poluição, vários casos de contaminação por metais pesados vêm sendo relatados. O chumbo, por exemplo, tem sido encontrado nos solos urbanos de várias cidades, principalmente nas interioranas dos EUA, onde, na primeira metade do século passado, havia automóveis que usavam como combustível gasolina com aditivos à base desse metal.
Tais metais pesados podem, ainda, envenenar crianças. É necessário lembrar que, mesmo as áreas com solo coberto com cimento e o interior de residências recebem material do solo na forma de poeiras. As crianças, sobretudo as que estão na fase de engatinhar, estão com a mão ora no chão, ora na boca, o que significa que sempre acabam ingerindo quantidades razoáveis de solo. Se tal solo estiver contaminado, elas certamente também serão contaminadas.
Podem ocorrer também poluições do solo urbano por contaminantes químico-orgânicos (inseticidas e cupincidas), muito usados nas cidades. A contaminação pode se dar do mesmo modo: as poeiras levam partículas de solo – nas quais os químico-orgânicos estão adsorvidos – para dentro dos quintais e residências onde existem crianças engatinhando. Os resíduos de concreto e pedras interferem na qualidade dos solos. Contudo, como as hortas caseiras são feitas em áreas relativamente pequenas, esses resíduos podem ser, aos poucos, manualmente apanhados e removidos do solo.
Para contornar o problema da contaminação de bebês por poeiras advindas de solos com metais pesados ou substâncias orgânicas tóxicas, o melhor é manter os solos próximos das residências sempre cobertos com vegetação e também estimular a prática de lavar frequentemente as mãos das crianças que ainda engatinham e residem perto de áreas contaminadas.
CT: Quais cuidados devem ser tomados antes de iniciar uma plantação de comestíveis nos solos urbanos?
IFL: É preciso enviar amostras de solo a um laboratório especializado para que elas sejam analisadas, em relação tanto ao nível de acidez, quanto ao de nutrientes disponíveis para as plantas, bem como ao teor de metais pesados. Se o laboratório acusar quantidades de metais pesados superiores às das normas técnicas estabelecidas pelo Ministério do Meio Ambiente, será preferível usar a área com gramados ou plantas ornamentais, em vez de plantas comestíveis. De qualquer forma, é importante manter o solo sempre coberto com vegetação para que o vento não carregue poeiras para as áreas residenciais vizinhas.
CT: Quais dicas o senhor daria para quem deseja iniciar projetos de agricultura urbana?
IFL: Procurar saber se, na Prefeitura local, existe um programa de incentivo às hortas domésticas comunitárias, ou consultar um engenheiro-agrônomo extensionista (no Estado de São Paulo, por exemplo, existe a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, CATI, da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, que mantém em todos os municípios engenheiros agrônomos extensionistas). Esses agrônomos poderão dar orientações de como iniciar um projeto de agricultura urbana, no fundo de um quintal ou em algum terreno baldio, quintal de escola etc. – locais onde o trabalho com grupos comunitários é mais indicado.
Uma questão importante para a nossa reflexão, enquanto cidadãos preocupados com o meio ambiente e a nossa qualidade de vida neste planeta, reside no fato de que, à medida que a população se torna cada vez mais urbanizada, menos contato vai tendo com o solo. Acredito que, devido a isso, temos perdido uma boa chance de investir em nossa qualidade de vida. Veja bem: o homem evoluiu durante milhões de anos em contato direto com a natureza e seus solos. Esse ser primitivo – nosso ancestral – cultivava o solo e, com os materiais dele retirados, fabricava artefatos de cerâmica, pintava as paredes das cavernas e marcava o seu próprio corpo para se proteger dos insetos e sinalizar algumas emoções. Além disso, diz-se que uma das primeiras manifestações linguísticas foi registrada em tabletes de barro (escrita cuneiforme dos antigos povos da Mesopotâmia).
Por outro lado, o homem moderno, com seu estilo de vida muito urbanizado, e em cujas veias parecem correr asfalto, cimento e aparelhos eletrônicos, vem sofrendo daquilo que chamamos de “o estresse das grandes cidades”. Por isso, acredito que, se o homem urbano conseguir passar pelo menos algumas horas de sua vida cuidando do solo de uma pequena horta ou jardim, ele poderá se tornar imune a essa doença que já foi considerada “o mal do século XXI”.
Ainda, é bom ter em mente que cultivar belas flores, para ornamentar o seu lar, e nutritivas frutas e verduras fresquinhas, para saborear em casa e distribuir para os vizinhos, é uma boa prática para se tornar mais saudável e socializável. Quem sabe um dia você vai oferecer uma dessas colheitas a alguém e dizer: “Pode comer sem susto, não tem agrotóxicos, pois fomos eu, minha esposa, filhos e amigos que melhoramos o solo, nele plantamos, depois regamos e colhemos; tudo isso nas hortas orgânicas do pequeno quintal de nossa casa e na comunitária que estamos cultivando nos fundos da escola de nossos filhos!”.
Tudo a ver
Além de publicar diversos artigos científicos, o pesquisador, professor e especialista, Igo Lepsch produziu duas obras essenciais para quem está se especializando em ciência do solo. O livro Formação e conservação dos solos está na segunda edição e aborda a composição dos solos e como seu uso pode ser sustentável, tudo isso com uma linguagem simples e precisa, e inúmeras ilustrações em cores.
Já a obra 19 lições de Pedologia traz textos introdutórios à ciência do solo, especialmente sobre as condições brasileiras. Entre os temas abordados estão as rochas e os minérios que dão origem aos solos, os processos de intemperismo, a biologia, física e química, e a fundamentação e apresentação do Sistema Brasileiro de Classificação dos Solos. Veja aqui a entrevista do autor com mais detalhes da obra!