Luiz Anelli fala sobre fósseis de dinossauros no Brasil

O primeiro fóssil de dinossauros brasileiros foi descoberto em 1936, mas as verdadeiras pesquisas no segmento de fósseis só tiveram um impulso em 1990, logo após a introdução desses grandes répteis pré-históricos na cultura pop, especialmente no cinema.

Para explicar um pouco mais sobre tais descobertas, as histórias curiosas de cada uma, e se existem dinossauros que ainda estão vivos, realizamos uma entrevista com o geólogo, professor e pesquisador de paleontologia Luiz Anelli. Confira:

Comunitexto (CT): Como a descoberta do primeiro fóssil de dinossauro em território brasileiro modificou os estudos paleontológicos no País?

Luiz Eduardo Anelli (LEA): Foi encontrado em 1936 o primeiro fóssil de dinossauro em território nacional, por um brasileiro, filho de americanos, chamado Ivor Price. Ele começou a trabalhar com paleontologia e, apesar de ter encontrado o primeiro fóssil, não o estudou. Após mais de 30 anos, em 1969, um americano veio ao Brasil e o levou para estudá-lo nos Estados Unidos. Ele descobriu se tratar de um dinossauro muito antigo chamado Staurikosaurus pricei (nome dado em homenagem a Ivor Price) e, nesse momento, foi oficializado o primeiro dinossauro brasileiro. Hoje o esqueleto dele está no American Museum, em Nova Iorque.

Depois disso, em 1971, foi descrito mais um dinossauro, com base em 1 ou 2 ossos. E somente em 1990 houve um grande boom nessa área e começaram a aparecer outros dinossauros no Brasil. De modo geral, a descoberta do primeiro fóssil não impactou em nada, mesmo que fosse um exemplar muito importante.

CT: Quem foram as pessoas mais importantes no início desses estudos paleontológicos?

LEA: O pai da paleontologia brasileira foi o Peter Wilhelm Lund, um dinamarquês que veio ao Brasil procurar evidências das grandes extinções, do homem fóssil etc. Mas Ivor Price, com seu trabalho em Perópolis (Minas Gerais), onde achou o primeiro dinossauro, é considerado o pai da paleontologia de vertebrados. Ele deu início ao estudo dos vertebrados no País e, com as pesquisas que realizou, encontrou diversos fósseis de dinossauros, tartarugas e outros répteis que descreveu. Ivor também atuou no Rio Grande do Sul, onde encontrou o Staurikossaurus pricei.

De modo geral, o Brasil é um País que não tem uma tradição paleontológica forte por não possuir muitos fósseis, tanto pelas dimensões do País quanto por razões climáticas que estragam os fósseis.

CT: No livro Colorindo a história da vida, o senhor menciona o Mesosaurus. O senhor pode contar um pouco mais sobre a história desse ser?

LEA: Esse Mesosaurus, que é um lagartinho muito antigo, tem 280 milhões de anos, chegou há 40 milhões de anos antes dos dinossauros. Ele foi o primeiro tetrápode (seres com quatro patas e dedos) que começou a sair da água, após ficarem quase 200 milhões de anos presos nela. No período devoniano, eles foram viver na terra, mas um pouco mais tarde, há 300 milhões de anos, começaram a colocar ovos e conquistaram definitivamente esse território. Há 20 milhões de anos eles retornaram para a água. Incrível né? Não existia uma fauna de animais que pudessem ameaçar esses tetrápodes, então ninguém sabe o motivo disso ocorrer.

Outro fato curioso sobre o Mesosaurus é que não se sabe quais foram seus ancestrais dele. Um fóssil do tetrápode foi encontrado em uma rocha no Rio Grande do Sul, e em toda a bacia do Paraná ainda existem fósseis dele; além disso, não deixou nenhum descendente. Ele é muito importante por motivos históricos: até os anos 1940 ninguém acreditava que a terra se movia e que os atuais continentes estavam grudados, então, Alfred Wegener, um climatologista, decidiu se aprofundar no tema e usou o Mesosaurus como argumento para explicar a divisão dos continentes. Esse animal pôde ser encontrado em diversos pontos do mundo, como na África.

CT: Em quais locais do Brasil existem mais fósseis?

LEA: O Rio Grande do Sul é um lugar com muitos fósseis, mas o Ceará, especialmente na chapada do Araripe, é onde fica o maior número de fósseis no Brasil. Tem milhares de espécies de peixes, dinossauros, pterossauros, tartarugas, insetos, plantas e outros seres (todos do Período Cretáceo).

O local onde existem mais fósseis do Período Triássico é o Rio Grande do Sul, que tem muitos répteis, plantas e, inclusive, um coco fóssil que temos aqui no Instituto de Geociências da USP. No Maranhão também há muitos fósseis do Período Cretáceo. Já na Amazônia e no Acre existem fósseis mais “novos” de 10 milhões de anos atrás, como crocodilos gigantes e outros que não existem em lugar nenhum.

CT: E esses fósseis são encontrados nesses locais por quais motivos?

LEA: Existem diversos motivos. Por exemplo, os fósseis do Ceará apareceram porque era um período em que o Brasil estava se separando da África, então a crosta estava sofrendo muito abatimento (afundando). Ou seja, a água invadiu o Ceará, mas não invadiu o espaço do Rio Grande do Sul, então em cada local tem mais animais e dinossauros de um determinado período. Outros fatores devem ser considerados: no Período Triássico, o Brasil estava muito seco, já que estávamos no meio de outros continentes e a água não chegava. No Rio Grande do Sul, existia maior proximidade da água, o que favoreceu o desenvolvimento da fauna e flora ali na época.

CT: Houve algum caso curioso em relação às buscas ou descobertas desses fósseis?

LEA: Sim, existem muitos. Como os fósseis são muito raros no Brasil, eles são normalmente encontrados por pessoas que estão passando por estradas de terra. Quando isso acontece, algumas ligam para a universidade dizendo: “olha, encontrei um osso, acredito que seja um fóssil”. A maioria dos dinossauros conhecidos no País foram encontrados dessa maneira.

Existe uma história sobre o Price: ele encontrou um ovo de dinossauro em um bar, próximo à construção de ferrovias, e as pessoas estavam jogando bocha com esse ovo*.

Outro caso bem curioso é que um dos dinossauros que encontraram possuía somente a perna direita. Depois, continuaram escavando e encontraram outras 12 pernas direitas e nenhuma esquerda. Então chamaram esse dinossauro de Sacisaurus agudoensis, por causa da lenda do Saci.

Também aconteceu uma com um paleontólogo de Taubaté. O homem, na verdade, era ortopedista. Então um dia encontraram um osso na rocha de uma pedreira e levaram para ele analisar. Ele se interessou pela estrutura daquele osso e ofereceu um pagamento para cada osso que levassem a ele. Então as pessoas começaram a quebrar ossos para receber mais dinheiro, foi terrível. Mas esse paleontólogo/ortopedista se chamava Herculano de Alvarenga e o primeiro osso entregue a ele pertencia a uma ave gigante, com 2 m de altura, que viveu aqui no Brasil. Ele conseguiu montar o esqueleto e enviou réplicas para outros lugares do mundo. Em troca, recebia réplicas e pôde montar um museu de história natural em Taubaté.

*Essa história foi confirmada no Globo Rural.

CT: Ainda existem animais que descenderam desses dinossauros?

LEA: Sim, muitos dinossauros deixaram descendentes. Os pterossauros deixaram as aves, que são dinossauros e répteis, pois tem escamas. Se você reparar, todas as aves têm escamas nos pés. O beija-flor é um dinossauro pterópodo. O Brasil, inclusive, é o país com maior diversidade desses descendentes. Incrível o que a evolução pode fazer em milhões de anos.

CT: Ainda é esperado que se encontrem mais fósseis? Estão sendo organizadas novas buscas?

LEA: As buscas de fósseis no Brasil são muito caras e pouco dinheiro é investido nesse setor, mas existem alguns grupos que estão sempre buscando e ainda existirão muitas pessoas que vão encontrar fósseis. Não é como na Argentina, em que são organizadas expedições, ou na África e Estados Unidos. Eles têm uma linha de pesquisa bem avançada nesse setor. Veja só, aqui temos aproximadamente 27 espécies registradas e na Argentina existem 120. Lá é bem mais fácil encontrar fóssil, também por ser um semideserto e as condições climáticas garantirem a preservação desses materiais. O pessoal da USP está escavando um fóssil de um dinossauro que foi encontrado com as patas dentro da boca, mas ainda existem poucas pesquisas, por paleontologia ser considerada um hobby.

CT: O que o senhor espera para o futuro da paleontologia no Brasil? Tem algo que precise melhorar?

LEA: No Brasil as coisas são um pouco lentas nesse sentido, acho que vai continuar do modo que está por algum tempo. Temos que melhorar todas as áreas de ensino para modificar o futuro da paleontologia. Não adianta montarmos esqueletos e não termos lugares para expor. Por exemplo, o esqueleto que está montado aqui no Instituto de Geociências da USP foi o primeiro esqueleto de dinossauro montado na cidade de São Paulo (em 2004). Em outros países, faz 100 anos que montaram dinossauros e os museus os expõe.

CT: O que o senhor tem a dizer para quem deseja estudar dinossauros e outros seres pré-históricos?

LEA: Eu comecei a escrever sobre os dinossauros e sobre a vida pré-histórica por desejar aprender mais sobre eles. Conforme eu obtinha conhecimento desses animais pré-históricos, sobre a evolução dos bichos, decidi escrever para não deixar as histórias se perderem. Percebi que escrevendo sobre isso eu conhecia muitas outras coisas. Esses animais e os livros são ideais para ensinar, já que conhecer o passado das rochas, do ar, da água, permite revelar a herança do que aconteceu no mundo no passado, saber sobre evolução. Ao aprender e ensinar sobre esses assuntos, pode-se conhecer mais sobre a história do mundo e de onde vieram animais, florestas etc. Ler sobre dinossauros é uma excelente aula de cultura, história e outras áreas do conhecimento.

Confira também ilustrações dos três seres pré-históricos brasileiros mencionados na obra de Luiz Anelli clicando aqui!


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